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A Abominação da Desolação - parte final

(por Tomás Tello Corraliza)
Aqui vemos Karol Wojtyla em união ecumênica em Assis com todas as falsas religiões. Pode este homem ser chamado de Vigário de Cristo?



Na primeira parte foram expostos “a grosso modo” os planos maçônicos para transtornar e perverter a Liturgia Católica, assim como a tática empregada para tal.

Seu ímpeto e seus esforços se viram coroados com a reforma, drástica e profunda, de todos os Ritos sacramentais da Igreja latina, a um tal ponto que se teve de pôr em dúvida sua validez.

À vista do sucesso obtido pelos inimigos de nossa religião, a muitos poderia ocorrer perguntar: “Será possível que Deus tenha permitido em sua Igreja, tamanhos absurdos, tão horrendos sacrilégios?”. Pois, segundo vaticínios a respeito, que vimos anteriormente, sim; teria lugar a seu tempo essa permissão nos planos divinos. Isto é, o que agora se pretende provar.

“Foi para mim uma revelação surpreendente, dada a presente situação eclesial, quando li pela primeira vez o comentário do Cardeal Billot aos versículos de Daniel sobre o tema”. Tratava-se de uma citação no contexto de uma obra de Gabrielle Rochon (2).

No Preâmbulo de sua obra a autora assim se expressa: “Esta mudança parece incrível, mas é uma realidade de que ninguém pode duvidar. Estaremos chegando ao fim dos tempos? Sem pretender dar uma resposta absoluta, podemos observar que numerosas coisas daquelas preditas para o fim do mundo parecem ter chegado”. Jesus o anunciou com as seguintes palavras: “Quando pois virdes a abominação da desolação, que foi predita pelo profeta Daniel, posta no lugar santo o que lê, entenda...” (Mt. 24, 15).

O que predisse Daniel, e qual é a interpretação dada pelos Ss. Padres e a de toda a tradição apostólica? Em continuação a este trecho, a citada autora apresentou o texto do Cardeal Billot que mais adiante se estampará, dentro do contexto de sua obra A Parusia (3).

Este foi portanto, meu primeiro contato (ainda em 1983) e conhecimento da exegese tradicional do texto de São Mateus, em conexão com o vaticínio de Daniel. Esta informação pareceu-me como sendo do máximo interesse e despertou em mim um impulso irresistível para a completar, na medida do possível, exaustivamente...

Com este objetivo me propus procurar na Tradição, já que as elocubrações de um autor recente, por agudas e brilhantes que fossem, se não se harmonizassem com a mesma, não me poderiam satisfazer. Não pelo menos plenamente.

Lamentei profundamente que tanto o Cardeal Billot como G. Rochon não acrescentassem textos da Tradição, como comprovação inequívoca da mesma (2). Para iniciar a marcha pelo caminho da pesquisa do tema, que tão extraordinário interesse havia suscitado em mim, se impunha em primeiro lugar conhecer e estudar a obra do Cardeal Billot. Só quatro anos mais tarde tive a oportunidade de manusear tal obra, ao ser ela publicada em alemão pela revista Einsicht .

Este trabalho consta de dez capítulos, precedidos de uma introdução e seguidos de um longo apêndice. Com o objetivo de enquadrar o que interessa a nosso estudo em seu contexto, apresentarei resumidamente o conteúdo de todas as partes da obra.

Introdução – Expõe a finalidade de seu trabalho: rebater os novos métodos da crítica moderna e racionalista, que se cevava com especial sanha nos textos escatológicos, para desacreditar a Religião Cristã enquanto revelada...

Capítulo I – O fim de Jerusalém e o fim do mundo conjuntamente vaticinados por Jesus. Diferenças entre história e profecia. Toma como base de sua exegese os textos paralelos de Mateus 24, 1-51, Marcos 13, 1-37 e Lucas 21, 5-36.

Depois de ter dito a seus discípulos que não restaria pedra sobre pedra do grandioso templo uma vez, fora de Jerusalém, contemplando novamente a magnífica vista do mesmo, lhe formularam a seguinte pergunta complexa: “Dic nobis, quando haec erunt? Et quod signum adventus tui, et consummationis saeculi?” (Mt. 24, 3). Variante de Marcos: “Dic nobis quando ista fient? Et quod signum erit quando haec omnia incipiente consummari?” (Mc. 13, 4) e Lucas: “Praeceptor, quando haec erunt et quod sianum cum fieri incipient?” (Lc. 21, 7).

Nesta complexa pergunta se distinguem duas partes: 1.º – sobre a data do evento; 2.º – acerca dos sinais que possibilitassem conhecer a iminência ou início do processo. A de São Mateus é mais explícita e compreende três partes: a) data; b) sinais da vinda de Jesus, de sua manifestação (parousias, em grego); c) sobre a consumação do mundo.

Entre os discípulos “estavam ainda intactos os preconceitos sobre Jerusalém e seu Templo”. Por isso seu modo de ver associava o ocaso de Jerusalém ao fim do mundo. Portanto – concluiu Billot – a pergunta se referia aos dois acontecimentos. Pelo que a resposta do Mestre deve encaixar-se nesse complexo. Expõe não obstante, sem discernir nitidamente as diversas perspectivas.

Em continuação o Cardeal Billot expõe algumas considerações acerca das diferenças entre o gênero histórico e o profético. A diferença essencial se prende à perspectiva. E recorda que isto é esquecido com freqüência (3).

Capítulo II – “Na verdade vos digo que não passará esta geração, sem que se cumpram todas estas coisas” (Mt. 24, 34; Lc. 21.32).

Esta expressão deve ser tomada em seu sentido natural e óbvio. “Esta geração” se pode ler 16 vezes nos Sinópticos, sempre em seu sentido próprio. Carece portanto de base sólida o dar-lhe outro sentido no presente caso. “Não é evidente – diz Billot – que Jesus quando disse ‘Não passará...' quis dar uma resposta à pergunta dos discípulos: ‘Diz-nos quando acontecerão estas coisas'. Sua resposta teria sido um contra-senso se se referisse à geração judaica em geral; pois com isso não teria respondido à pergunta pelo tempo do acontecimento. Sua resposta significa portanto, que seus coetâneos o viveriam. E o acontecimento no-lo confirma”.

Entretanto, para a segunda catástrofe que eles ligavam indissoluvelmente à primeira, dá outros sinais a mais longo prazo: a pregação do Evangelho em todo o mundo; cumprimento de tempo das nações; falsos Cristos e falsos profetas, etc. A segunda parte da resposta fica oculta sob um véu impenetrável (Mt. 24, 36).

O último sinal que apresenta, especialmente seguro e inequívoco para os seus, que puderam conhecer a seu tempo foi: “Quando virdes a abominação da desolação...” (Mt. 24, 15; Mc. 13, 14; Lc. 21, 20-21), em íntima conexão com as profecias de Daniel sobre o mesmo tema.

Assim, os evangelistas esclarecem uns aos outros. Quando se considera em seu conjunto estes lugares paralelos não é difícil perceber o sentido da expressão: “Abominação da desolação”. Em parte, bem pode ser idêntico ao assédio de que fala São Lucas. Os Ss. Padres assim o entenderam e a reflexão nos persuade de que a palavra “abominação” equivale a ídolo, de acordo com os usos da Escritura...

Os exércitos romanos como é sabido, traziam em seus estandartes as imagens de seus deuses, que eram objeto de culto para os soldados. E como a representação dos ídolos, segundo a ordem de Deus não deveria aparecer na Terra Santa, estes símbolos romanos estavam proibidos. Assim os legionários romanos cobriam seus estandartes, ou lhes era permitido marchar sem eles quando tinham que atravessar a Judéia. Por exemplo, foi o que aconteceu quando Vitelius teve que atravessar a Judéia para fazer a guerra na Arabia. E mais ainda. Os romanos foram nisto tão escrupulosos que dispensavam os judeus de prestar o serviço militar, para que estes não se vissem compelidos a seguir os estandartes com suas representações de ídolos...

Mas nos tempos da última guerra judaica, os romanos não tiveram mais nenhuma consideração ou deferência (4) para com o povo judeu, ao qual queriam castigar. Por isso quando Jerusalém foi sitiada, foi circundada por numerosas representações de ídolos, tantas quantas eram os equivalentes estandartes romanos. Isto deu lugar portanto à aparição da Abominação, em nenhum lugar mais terrível que lá onde não se podia permitir, ou seja, no lugar santo e ao redor do Templo.

Mas se poderia objetar: Seria este o grande sinal que Jesus deu aos seus? Pois aqui está a surpreendente maravilha dessa profecia. Jerusalém foi cercada duas vezes. Na primeira o foi por Cestius Gallo. Nesta ocasião Cestius acampou a 50 estádios de Jerusalém e conduziu o assédio tão fracamente, que teve de levantá-lo pouco depois e ordenar a retirada, o que representou uma vergonhosa derrota.

A segunda invasão ou assédio foi levado a cabo uns quatro meses mais tarde por Vespasiano e Titus, e neste intervalo foi muito fácil a fuga dos cristãos; ao contrário do segundo assédio quando se cortou toda possibilidade de fuga. Titus construiu um muro como barreira infranqueável.

Jesus havia distinguido claramente entre os dois assédios: (Lc. 21, 20 e 19, 43-44). A ordem de fuga foi dada para o primeiro: “Quando virdes, pois, que Jerusalém é sitiada (...) Os que então estiverem na Judéia, fujam para os montes e os que (estiverem) na cidade, retirem-se; e os que (estiverem) nos campos, não entrem nela;...” (Lc. 21, 20-21). Entretanto, na profecia que se refere ao assédio segundo, definitivo, manifestou inequivocamente que não haveria escapatória. “Porque virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te derribarão em ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra; porque não conheceste o tempo da visita” (Lc. 19, 43-44).

Por isso depois do descalabro de Cestius, segundo refere Josepho, muitos se retiraram de Jerusalém à semelhança de como se desampara um navio que soçobra.

Estava portanto muito claro o sinal que Cristo deixou aos seus. Em conseqüência, os discípulos obedeceram a seu Mestre. Na Cidade e em toda a Judéia existiam então milhares de cristãos; mas não lemos nem em Josepho nem em nenhum outro historiador que houvessem cristãos em Jerusalém quando da tomada da mesma. Pelo contrário, antigos monumentos testificam que muitos cristãos se refugiaram na pequena cidade de Pella, na Transjordânia.

Mas a queda de Jerusalém deve ser interpretada como um fim do mundo em miniatura...

Capítulo III – Os textos escatológicos de São Lucas.

Em São Mateus e São Marcos os dois acontecimentos (o da queda de Jerusalém e o da (5) consumação do mundo) estão entrelaçados um com o outro. Entretanto, São Lucas se expressa de outra forma. Por quê? É necessário ter presente que para o entendimento da expressão, estampada por S. Mateus e S. Marcos, “A abominação da desolação” se requer um conhecimento em profundidade do Velho Testamento, sobretudo dos profetas e em particular do profeta Daniel, ao qual Cristo se refere. Mas São Lucas, como é sabido, destinou seu Evangelho aos cristãos não judeus, que careciam deste conhecimento especial. O que torna compreensível tal omissão.

Vejamos as peculiaridades de São Lucas. Este em seu Evangelho traça um quadro temporal, que abarca todo o futuro e onde se distinguem nítidamente três fases sucessivas.

A – Cap. 21, 10-23. Nos versículos 10 e 11, se expõe o vaticínio de fatos prévios às catástrofes: guerras, terremotos, pestes, fomes, prodígios grandiosos e espantosos no céu.

Nos versículos 12 a 20 se fala da pregação do Evangelho em todo o mundo e das vicissitudes pelas quais haverão de passar os pregadores.

Nos versículos seguintes, até o 23 se anuncia com grande riqueza de detalhes o cerco e a queda de Jerusalém: “Quando virdes Jerusalém cercada pelos soldados, sabei então que chegou sua desolação . Então os da Judéia que fujam para as montanhas e os de dentro da Cidade, que se afastem. Os dos campos, que não entrem em casa (Vers. 21). Porque esses são dias de vingança, para que se cumpra o que está escrito (V. 22). Ai das que estejam grávidas e amamentando naqueles dias! Haverá grande angústia na terra, e castigo sobre este povo” (V. 23).

B – Nesta segunda fase ou apresentação da predição, é abarcado desde a queda de Jerusalém até o fim dos tempos. Se limita ao versículo 24. Cairão ao fio da espada e serão deportados a todas as nações e Jerusalém será desolada pelos gentios, até que se cumpra o tempo dos gentios.

C – Na terceira parte se descrevem os sinais prévios à catástrofe final, que desemboca no apogeu do acontecimento da Parusia (Vers. 25 a 31).

Neste quadro, cada época está em seu lugar, na seqüência natural dos acontecimentos. Note-se como o espaço intermediário está suficientemente sublinhado. Reune a dupla pergunta dos discípulos sobre a ruína de Jerusalém e a (6) consumação, que são dois eventos muito distanciados um do outro e não simultâneos, conforme a vulgar crença judaica.

“Kairoi ethnon”. Os tempos (no plural em grego) dos gentios ou das nações significa segundo as Escrituras, o tempo oportuno, favorável, que é concedido para a salvação. “O tempo oportuno e os dias de salvação”, como disse São Paulo em sua primeira Epístola aos Coríntios. O Cardeal Billot traz a propósito a referência a outras profecias convergentes, que falam da conversão e restauração de Israel antes da Parusia (Is. 60, 1-6 e Rom. 11).

Capítulo IV – Da “Abominação da desolação” de que falam Mateus e Marcos, vaticinada por Daniel.

“Devemos completar nosso estudo – disse Billot – mediante a análise do texto de São Mateus, por conter ele dificuldades peculiares que devem ser resolvidas”. Assim, Cristo se remete a Daniel (quem lê, entenda). Se impõe portanto, uma detida análise dos textos deste profeta, onde se refere à “abominação da desolação”. No cap. 9, 24-27, ele se refere ao assédio e queda de Jerusalém. Esta passagem é precedida pela famosa profecia das “setenta semanas”.

“Um povo – diz – conduzido por um chefe virá para destruir a Cidade e o Santuário e seu fim será a devastação e após o término da guerra estará decretada a desolação . E afiançará a aliança para muitos durante uma semana, e à metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oblação e fará no Santuário uma abominação desoladora, até que a ruína decretada venha sobre o devastador” (o sublinhado é meu).

Aqui Daniel fala claramente da Abominação da Desolação aplicada à destruição de Jerusalém. Mas Jesus Cristo se refere a duas ocasiões: a da queda de Jerusalém e a outra, a da Consumação. Se costuma citar só a anterior passagem, como se só nela o profeta se referisse à desolação da abominação. Isto é um erro. Daniel a predisse para três épocas diferentes, perfeitamente delineadas.

1.º – A da perseguição de Antíoco (Caps. 7, 8, 11-14; 9, 31).

2.º – Para o tempo do assédio e queda de Jerusalém (Cap. 9, 24-27).

3.º – Para o tempo do Anticristo (Caps. 12, 11).

a) Antíoco tentou não apenas uma conquista, mas o abolir, erradicar a verdadeira Religião. É geralmente considerado pelos Ss. Padres como uma figura do Anticristo. Está portanto claro que Jesus não podia referir-se a essa “abominação da desolação” (7) uma vez que já se havia realizada. Tal abominação é descrita nos livros dos Macabeus (1 Mac. 1, 41-57; 6, 36 e 16, 1; 2 Mac. 6, 1).

2.º – É a abominação da desolação vaticinada como a última calamidade de Jerusalém. (Dan. 9, 24-27). Segundo esta profecia deveria acontecer a Jerusalém algo similar ao que fez o ímpio Antíoco: profanação do lugar santo, violação sacrílega de tudo o que o Templo ocultava no Santo dos Santos; mas nesta ocasião, em condições inteiramente distintas às da primeira vez e num complexo de circunstâncias que dariam a tudo um acento especial.

Em primeiro lugar devemos recordar que o Templo, cuja desolação se vaticina, aqui, não se trata mais como o dos dias de Antíoco do Templo da verdadeira Religião, com todas as suas prerrogativas. Há quarenta anos tudo havia sido abolido. “O Templo era – como disse Santo Agostinho – como que uma bela relíquia; como um morto honorável, que ainda é retido em casa antes de ser enterrado”.

Assim, com os ritos antigos abolidos, foram mantidos conservados na “Casa do morto” – no Templo – até que soasse a hora do enterro. Por um novo e horrendo crime da Sinagoga, este enterro se transformaria em tragédia e em catástrofe... No mesmo instante em que os legionários romanos pisaram com seus ídolos o lugar sagrado, teve início a Abominação da Desolação do Templo. Mas desta vez a abominação da desolação não foi só originada por um fator exógeno como nos tempos de Antíoco; mas teve como agravante um fator endógeno. Aconteceram coisas tão terríveis no recinto do Templo que ratificaram formalmente a ira de Deus.

Em que consistiu desta vez a Abominação da Desolação? No Templo se cometeram inauditas profanações, durante os quatro anos de assédio por parte dos zelotes, dos últimos representantes da Sinagoga, do Sumo Sacerdote e do Sinédrio.

Estes se haviam retirado para o próprio recinto do Templo, ocupando até o Sancta Sanctorum como derradeiro refúgio, como se se tratasse de uma fortaleza. E o profanaram e contaminaram, cometendo com ódio infernal tais crimes, que Josepho não vacilou em escrever que a própria terra se teria aberto para engolí-los, juntamente com o Templo e a Cidade se os Romanos – instrumentos da Divina Justiça – não se tivessem apressado para cumprir a sentença de Deus contra uma geração mil vezes mais criminosa e perversa que as de Sodoma e Gomorra.

Isto significa que desta vez não foi o inimigo exterior (8) que perpetrou o sacrilégio da desolação no lugar santo, mas os próprios servidores do Templo.

Em tempos de Antíoco foi dito que o Templo seria purificado depois de 2.300 dias. O povo que conhece a Deus permanecerá firme, “será provado, purificado e acrisolado” (Dan. 11, 31-35). Não como nesta ocasião; pois a Sinagoga em sua rebelião suprema encheu as medidas para atrair sobre si o irrevogável anátema, que jamais deveria ser anulado segundo a Escritura: “E se apossará no Templo a Abominação da Desolação e durará até a consumação, e até o final permanecerá a desolação”.

3.º – A terceira profecia se refere ao fim dos tempos sob o império do Anticristo, quando se dará a perseguição mais encarniçada. No capítulo doze de Daniel, depois da profecia que se refere ao tempo de Antíoco, o Anjo projeta sua revelação para um tempo mais distante, no qual se dará a maior crise da história universal e deve preceder o fim do mundo.

O Anjo toma a palavra novamente e instruí o profeta sobre a citada última perseguição; da qual a de Antíoco não foi mais que uma pálida imagem. Será um tempo de aflição como jamais existiu. O próprio São Miguel Arcanjo combaterá contra Satanás e o Anticristo. Por isto se distingue este tempo dos outros.

A pergunta de Daniel ao Anjo de quando aconteceria isso, é dada a seguinte resposta: “Olha Daniel, que essas coisas estão fechadas e selados até o tempo do fim. Muitos serão branqueados e purificados, os ímpios seguirão o mal e nenhum dos malvados entenderá; mas os que têm entendimento compreenderão. Depois do tempo da cessação do Sacrifício Perpétuo e do erguer-se da abominação desoladora, haverá mil trezentos e trinta e cinco dias...” (12, 8-11).

Na última profecia de Daniel, que encerra a série de vaticínios acerca da Abominação da Desolação e da supressão do Sacrifício Perpétuo: fazendo a pertinente análise, “Qualquer um – disse Billot – pode descobrir a notável diferença entre a terceira e as duas anteriores profecias acerca do tema, assim como o véu do segredo que envolve este último vaticínio”.

Naturalmente o futuro sempre permanecerá mais ou menos obscuro para nós e as coisas poderão acontecer de maneira diferente da que nós concebemos. Por isto, assim se manifestou São Irineu: “As profecias, antes de seu cumprimento são para nós um segredo para o qual não temos nenhuma chave” (9). E aqui ainda por cima, esta predição significa em sua expressão literal, um segredo: “... Permanecerá fechada e selada”. Daniel declara que não entendeu: “Audivi et non intellexi”. Quando pediu um esclarecimento ao Anjo que lhe respondeu que está reservado o acontecimento para seu próprio tempo. Mais ainda, “No tempo de seu cumprimento os ímpios não o entenderão; só o captarão aqueles que foram doutrinados ou iluminados”.

Mas há certas coisas de caráter geral que o próprio texto ilumina. Tal crise estará especialmente disposta por Deus, como meio de purificação para a derradeira geração cristã...

“Cremos por isto que no tempo final das terríveis perseguições, será desterrada a prática da verdadeira religião e como conseqüência o culto do verdadeiro Deus será proibida publicamente; nesse tempo o Sacrifício Perpétuo (a ênfase é minha) será suprimido”.

Nesta terceira profecia não se menciona mais nem o Templo nem o Lugar Santo. O Sacrifício aqui significado é portanto o Sacrifício da Nova Aliança (sublinhado por mim) ao qual quadra mais exatamente a designação de “Iuge Sacrificium”, ou seja, Sacrifício Perpétuo; pois certamente é celebrado em todas as partes e a todas as horas do dia, em todas as partes da Terra...

É designado portanto o Sacrifício de nossos altares, o Santo Sacrifício da Missa, que nesses dias será prescrito, em todas as partes; e que excetuando-se aquelas Missas que forem celebradas em catacumbas, na obscuridade e nos locais mais ocultos, estará suprimido em todas as partes.

Com isto, portanto estará instalada a Abominação da Desolação. “Et posita fuerit Abominatio Desolationis...”. Que significa neste contexto esta expressão? Evidentemente, algo semelhante ao que se deu no tempo de Antíoco, quando o Templo foi consagrado a Júpiter e manchado com toda espécie de sacrilégios e abominações.

Deve se tratar por conseguinte, de uma idolatria, especialmente monstruosa; de uma prestação de serviço aos ídolos, que será implantada em nossas Igrejas (sublinhado por mim) e será ao deus da humanidade, o da “deusa razão” que agora, depois de tantos esforços do livre pensamento finalmente, triunfará sobre o Deus transcendente da Revelação. Resultado do segredo especial luciferino, tramado nas tenebrosas lojas maçônicas. Tais ídolos serão introduzidos nos lugares dos tabernáculos derrubados ou cobertos. Será alguma. adoração, mais ou menos explícita do ídolo da carne e sangue, conforme já se fez em determinada oportunidade durante a Revolução Francesa. Ou algo semelhante.

Que conclusão poderíamos tirar do passado com relação ao futuro? É aqui necessário fazer referência ao tempo do Anticristo (10). Com sua presença o Ímpio, o Homem Inícuo, o Filho da Perdição, será dotado do poder de Satanás que se manifestará com toda espécie de falsos prodígios e sinais, para a perdição daqueles que se deixarem seduzir. Tudo isto avança e se nos lança em cima com evidente aceleração, por meio dos mais alarmantes progressos da magia, do espiritismo “... do culto a Satanás...” (2 Tes. 2, 9-10).

Mas resta ainda outro grande segredo. Foi-nos dito que depois de 1.290 dias da interdição do Sacrifício Perpétuo: “Bem-Aventurado o que perseverar e alcançar os 1.335 dias”. Se trata da esperança na Vinda de Cristo (Ver Tit. 2, 13; Fil. 2, 20; 1 Tes. 1, 10; Hb. 9, 28; 2 Pe. 3, 12).

Uma advertência a mais. Nesta passagem não se encontra nada acerca de se o amplo sentido da Abominação da Desolação se refira a um determinado lugar e a um tempo determinado. Enquanto que o vaticínio do capítulo nove de Daniel está restrito ao Templo de Jerusalém e ao Lugar Santo.

Se deve observar por último, que Cristo não disse: “Vereis estabelecida a Abominação da Desolação” no Templo, mas “Instalada no Lugar Santo”. O que é uma expressão geral que ultrapassa o horizonte judaico e engloba as Igrejas, como lugares sagrados. Por isto o convite do Senhor: “Quem lê, entenda”.

Completamente se deve acrescentar que no texto de S. Mateus se encontra (V. 21): “erit anim tunc tribulatio magna...”. “E haverá uma tal tribulação como não houve desde o princípio do mundo até agora, nem haverá”. O que está de acordo com o dito por Daniel “Et veniet tempus...” E virá um tempo, como não houve desde que existem as nações até esse tempo” (Dan. 12, 1).

Disto se conclui que Nosso Senhor tinha em mente ambas as passagens de Daniel, em que se fala da Abominação da Desolação que Ele contemplava numa imagem unitária: a queda de Jerusalém e a perseguição do Anticristo. São dois processos similares. Por um lado a crise que assinalou o fim da religião dos judeus, que deixou seu lugar para a Nova Aliança; e pelo outro, o fim da Religião na terra para deixar lugar e dar passagem à Religião da Jerusalém Celeste...

Até aqui acompanhamos a maravilhosa interpretação do Cardeal Billot neste capítulo IV, do qual mal fiz resumo, tendo-o reproduzido quase integralmente, por ser o mais fiel ao que pretendia expor. A maior parte do mesmo (a final) foi o que eu li no citado livro de Gabrielle Rochon.

Os capítulos V e VI retornam à controvérsia contra os racionalistas e modernistas.

Capítulo VII – A descrição da Parusia nas cartas dos Apóstolos.

Segue com a impugnação da exegese racionalista, que atribuía um erro a Cristo acerca da proximidade da Parusia, assim como aos Apóstolos.

Depois de examinar os textos que os inimigos da Revelação apresentam a seu favor, o Cardeal Billot conclui que não existe uma só palavra que indique iminência. “Todos os textos que falam de proximidade – diz – devem ser entendidos em relação ao julgamento particular”.

Capítulo VIII – A descrição da Parusia nas cartas dos Apóstolos: o último dia, a última hora, o fim do mundo.

A última hora (2 Tim. 3,1; 1 Pe. 3, 3; 1 Jo. 2, 18, etc) se refere à Hora Messiânica...

Capítulo IX – A Parusia no Apocalipse.

A Misteriosa Babilônia, que é a Roma pagã. A soberba, mãe de impurezas e da Abominação é o culto dos falsos deuses que Roma acolheu em seu Panteão, “Mysterium”, o imundo culto dos Mistérios dos pagãos que foi implantado na Roma dos Cesares.

Os outros sinais, o da Besta e o da Rameira não estão muito claros.

Existe uma crença, tanto entre os cristãos como entre os pagãos, de que a cidade de Roma durará tanto quanto durar o mundo...

Capítulo X – Parusia no Apocalipse (continuação).

Quanto ao problema da dupla ressurreição diz que a idéia corrente é de que o Apocalipse é apenas um quadro profético do fim do mundo e de seus sinais precursores. “Assim pensam todos – diz – os que se apegam à letra, mas se encontram pouco familiarizados com a maneira de falar da Sagrada Escritura”. Dispara contra o Milenarismo...

Apêndice (contém dados interessantes).

Considera que vários dos sinais ou prognósticos da Parusia se cumpriram já em seu tempo, ou estão a ponto de cumprir-se.

Considera cumprido o vaticínio de que o Evangelho deveria ser pregado em todo o orbe.

Quanto à apostasia, de que fala São Paulo: faz a observação acerca da perda da Fé, em nações outrora católicas. A apostasia das massas.

Outro fato que considera muito digno de mensão é a diferença entre seu tempo e os passados; é o fenômeno do ateismo (12) que se manifesta já às claras e se reafirma com enorme descaramento no cenário do mundo. Este acontecimento representa a mais radical negação de toda religião e de toda ética, inclusive a natural. “É a desavergonhada proclamação de que a civilização moderna não pode reconhecer nenhum outro Deus que o deus imanente do Universo, um deus contraposto ao Deus pessoal e transcendente da Revelação cristã; assim como do estabelecimento da fonte da moral na vontade do homem, que é para si mesmo sua própria lei. Até tal extremo de brutalidade jamais se havia chegado até o presente”.

O veneno destas idéias corrosivas se vai infiltrando em todas as camadas sociais. Chegará um tempo em que a Cidade de Deus ficará reduzida a uma elite, que a graça havia prevenido para esta última batalha. Esses poucos fiéis se verão estreitamente cercados e bloqueados com todas as forças mancomunadas da cidade adversária.

Haverá a Abominação da Desolação na Cidade Santa e uma substituição temporal do Santo Sacrifício da Missa por uma celebração festiva ou reunião comunitária. “Mas tudo isto pressupõe uma situação do mundo, onde tudo obedecerá a uma regulamentação uniforme que possibilite uma condução gregária, sob um chefe que mande desde um a outro confim da terra, com preparação para a perseguição do Anticristo, que está anunciada na Sagrada Escritura e o estabelecimento de seu domínio mundial”.

Como final deste longo Apêndice o Cardeal Billot se refere a um último ponto: o da conversão dos judeus, vaticinada na Sagrada Escritura. Este acontecimento futuro é considerado por toda a Tradição como um dos mais eloquentes sinais do fim do mundo. Como seria possível – se pergunta Billot – tal conversão estado o povo judeu disperso por todo o mundo? Considera impossível uma conversão em massa dos judeus enquanto eles se mantiverem dispersos. Pelo que considera necessário que para produzir-se o fato da conversão como tal este povo, unido e congregado, deverá estar novamente estabelecido. Isto é anunciado expressamente pelos antigos profetas (por exemplo Os. 3, 4-5): “In novissimo dierum haec fient”.

A possibilidade de que o povo de Israel possa formar um Estado é por ele julgada iminente. Fala da Declaração Balfour; dos esforços sionistas para recuperar a Palestina. Em seu tempo já se haviam instalado mais de cem mil israelitas nesse território.

E termina assim: “Eis como a história do mundo se move justamente na direção e com movimento cada vez mais acelerado, no sentido apontado pelas profecias do Velho e Novo Testamento (13) com antecipação de tantos séculos”.

Até aqui o notabilíssimo trabalho do Cardeal Billot sobre a Parusia. Depois de lido e assimilado deixo de lado o amplo panorama que abarca o campo da Parusia para centrar-me no quadro tão maravilhosamente traçado no cap. IV, ou seja, o da “Abominação da Desolação” e “Supressão do Sacrifício Perpétuo”.

Tem-se que ter presente que os dados do problema escatológico são em seu conjunto – entre o Velho e o Novo Testamentos – abundantíssimos, pelo que se torna quase impossível um coordenação perfeita dos mesmos.

Comparo esses dados a uma infinidade de peças de um gigantesco “puzzle” ou quebra-cabeças. Encaixá-los em seu devido lugar, na coordenada exata, para que apareça o quadro tal qual é, é uma tarefa infindável; obra dos sucessivos comentadores ao longo dos séculos, que vão construindo quadros parciais mais ou menos acabados desse quebra-cabeças. Por isso normalmente os comentários mais recentemente realizados satisfazem de alguma forma mais que os dos antigos Padres. É que a observação dos acontecimentos históricos é o melhor corretivo dos erros e inexatidões anteriores.

Um princípio básico na interpretação das profecias é evitar as precipitações e não fazer afirmações categóricas. Já disse Santo Irineu – segundo a citação um tanto livre do Cardeal Billot estampada anteriormente: “As profecias antes de seu cumprimento, são obscuríssimas” (desta vez cit. por Suárez literalmente, que indica o lugar onde o disse: “Adversus Haer” 1. IV, c. 43. Dado este que não é fornecido pelo Cardeal Billot).

Pascal também o expressou à sua maneira num de seus Pensamentos: “As profecias são todas equívocas; só depois de seu cumprimento desaparece sua ambiguidade”. O próprio Santo Agostinho foi plenamente consciente das dificuldades que se encontra para a correta interpretação das profecias: “... Sed quibus modis et quo ordina veniant, magis tunc docebit rerum experientia quam nunc ad perfectum hominum intelligentia valet consegui” (De Civ. Dei, XX, 30). Quer dizer, que o modo e a ordem de sua realização será melhor ensinada pela experiência dos acontecimentos que o que pode conseguir a mera inteligência humana antes dos fatos.

Devemos portanto estar abertos às várias perspectivas e interpretações e não nos aferrarmos a uma só. Porque em caso contrário nos expomos a não reconhecer a realidade quando se fizer presente. Isto e nenhuma outra coisa sucedeu aos judeus que confundiram e fundiram num mesmo plano as diferentes vindas do Messias (14). Por isso, porque não encaixava sua realidade com suas imagens mentais, não quiseram tomar conhecimento da realidade de Sua primeira vinda. E esta recusa foi fatal para eles. Ora, isso mesmo poderia acontecer à geração cristã testemunha da segunda vinda, se se aferrasse a uma errônea interpretação das profecias escatológicas.

É indubitável que o passar do tempo e a vivência de sucessivos acontecimentos históricos vão abrindo novas perspectivas e abrindo o entendimento para ver claro ou pelo menos para compreender melhor certos segredos que em tempos anteriores eram impenetráveis. Mais satisfazem – pelo menos é o que tenho observado – e convencem as interpretações de Maldonado que as de Santo Agostinho, São João Crisóstomo, São Gregório e São Beda. E mais as de Suárez que as anteriores; e ainda mais as do Cardeal Billot, e muitíssimo mais as de Benjamin Martin Sanchez e Eusebio Garcia de la Pesquera...

Por isso lamento que haja autores contemporâneos, teólogos e exegetas, que não levem em conta estas obras mais recentes, mantendo-se fechadas a perspectivas novas e em perfeita consonância com o que ensina a experiência dos eventos.

Na exegese do Cardeal Billot encontro vislumbres geniais; mas o quadro parcial do gigantesco “puzzle” das profecias escatológicas – para seguir com a similitude – a cuja análise, de acordo com os últimos acontecimentos me limito, lhe saiu quase perfeito a meu ver. E isto é o que tento provar.

A primeira interrogação que me saiu ao caminho durante a presente pesquisa – pois não deve bastar que simpatizemos com uma opinião – foi acerca de que se era compatível esta visão com exegetas anteriores? Isto me parecia a primeira coisa que devia averiguar.

O Cardeal Billot – eis algo que encontrei em falta desde o primeiro momento – não acrescenta textos da Tradição; e da mesma forma Gabrielle Rochon, apesar de proclamar – ao estampar o texto de Billot – que se tratava da voz da Tradição. Era uma falha lamentável que tinha de ser resolvida.

Ao consultar certos comentários modernos ou tratados sobre o tema escatológico, experimentei uma grande surpresa e uma cruel decepção. Um denominador comum em todas essas obras é a ausência total da obra do Cardeal Billot, tanto em suas extensas relações de obras como nas citações de pé de página. Tal fenômeno me surpreendeu, por um duplo motivo: ou esses autores o desconhecem – o que seria imperdoável em especialistas na matéria – o que não é crível; ou o omitem conscientemente por recusar categoricamente e sem apelações seu ponto de vista. E isto me parece ainda pior, pois não é honesto, mesmo cientificamente falando.

Começarei aqui com os “Comentários da Sagrada Escritura” dos Professores da Companhia de Jesus (4).

Estes padres (15), mais concretamente o comentaristas de Daniel, não incluem certamente o Cardeal Billot em sua Bibliografia prévia; nem tampouco merece a honra de uma citação de pé de página; mas se deixam seduzir escandalosamente pela crítica e as teorias dos racionalistas, numa obra dirigida aos católicos de a pé (*). Que tais teorias sejam discutidas entre especialistas, ainda pode ser; mas expô-las morosa e deferentemente em textos dirigidos aos simples fiéis, não deixa de ser corrosivo.

(*) N. do Trad. Bras. – Sic. Por mais pitoresca que seja a expressão.

Segundo estas teorias, Daniel não seria o autor do livro do mesmo nome, nem este deve ser contado entre os profetas. Quanto à referência a Daniel de São Mateus (24, 15) se diz que pode não ser de Cristo, mas do próprio Evangelista, que acrescenta essa frase explicativa. Elimina todo sentido literal da profecia de Cristo. Eis aqui as palavras textuais:

“O testemunho de Cristo (Mt. 24, 15) aplicando as palavras de Daniel aos últimos tempos fica suficientemente explicado pelo sentido típico da primeira Desolação, ou pela simples coincidência – dois fatos semelhantes, expressos com a mesma terminologia (...). A referência só se dá em Mateus. Conhecida é a tendência especial de Mateus a apresentar fatos evangélicos como cumprimento de profecias. Muitas vezes o sentido originário literal parece ser outro, e a dificuldade da citação pode ser solucionada mediante o recurso ao sentido típico e para alguns casos recorrem ao acomodatício”.

E prosseguem: “Quanto ao testemunho da tradição seria necessário começar por provar que se trata de um assunto concernente à Fé ou aos bons costumes, para que se imponha como tradição dogmática, em vez de como simples tradição histórica”.

Vejamos em continuação o comentário sobre o profeta Daniel da “Bíblia comentada” dos professores de Salamanca (B. A. C. – 209, Madrid):

Aqui também se prescinde inteiramente de Billot tanto na bibliografia como em notas ao pé da página.

No que se refere a Cristo em Mateus (24, 15) eis o que se diz: “Sem dúvida o Senhor se referia com estas palavras aos fatos trágicos que iriam se dar em Jerusalém. A expressão ‘Abominação da Desolação' aparece três vezes em Daniel. Em duas delas certamente se refere à devastação realizada por Antíoco IV Epiphanes. A qual destes textos se referiria a Cristo?”

Em nota (29) se acrescenta: “Não se pode esgrimir como argumento contra nossa interpretação, a suposta unanimidade dos Ss. Padres já que esta nota não existe, senão no sentido geral messiânico que propusemos”. Ou seja, como “sentido típico”...

Isto é o que pude esclarecer desses dois comentaristas modernos (16). Devo confessar que depois de ter lido a exegese em vigorosos traços do Cardeal Billot, as desses comentaristas da B. A. C. me pareceram anódinas e desvalidas. Não me satisfazem em absoluto. Se imporia portanto, procurar na Tradição, para ver até que ponto era sólida a base da interpretação de Billot, que silenciava os testemunhos da mesma.

E como é verdade que quem procura acha, dei com a corrente da Tradição. Se trata – bem o poderíamos dizer – de uma verdadeira corrente subterrânea, que emerge de maneira intermitente ao longo dos séculos, demonstrando com isso sua legitimidade, para quem tiver olhos para a ver.

Assim, alegarei os testemunhos da mesma, remontando a corrente. Se faço assim, é porque o primeiro testemunho que encontrei se me apresentou casualmente, na revista alemã “EINSICHT”. Eis o texto: “O que estamos vivendo na atualidade já havia sido vaticinado à Igreja, tanto nas Sagradas Escrituras como por numerosos Santos e pela Santíssima Virgem (em La Salette e Fátima). No livro de Daniel se lê: ‘O Sacrifício Perpétuo cessará'. Santo Afonso M. de Liguori escreveu: ‘Satanás abolirá o Sacrifício da Missa, e isto o conseguirá por causa da falta de Fé dos homens' (6)”.

Mas o autor não assinalava a obra de Santo Afonso em que se pudesse localizar o texto citado, para que o pudesse ser verificado. A localização tive que fazê-la eu. Santo Afonso se faz eco da Tradição em duas de suas obras:

1 – “Com razão chama São Boaventura à Missa o compêndio de todo o amor divino e de todos os benefícios dispensados aos homens. Por isto o demônio se esforçou sempre para suprimir a Missa do mundo, mediante os hereges, aos quais fez precursores do Anticristo, que a primeira coisa que tentará fazer e FARÁ (o sublinhado é meu) será ABOLIR (sublinho) o Sacrifício do Altar, em castigo dos pecados dos homens como profetizado por Daniel: “Robur autem datum est et contra Iuge Sacrificium proper peccata – foi-lhe dado poder contra o Sacrifício Perpétuo por causa dos pecados” (7).

2 – “Por isso tentou sempre o demônio abolir no mundo a Missa, por meio dos hereges precursores do Anticristo o qual antes de tudo tentará abolir E ABOLIRÁ efetivamente, o Santo Sacrifício do Altar em castigo dos pecados dos homens, conforme profetizado por Daniel (8, 12)” (8).

Daremos agora um salto para trás de século e meio. Vejamos o que diz o infatigável e incomparável comentarista Cornelius a Lápide (7), a quem indubitavelmente ampliou e desenvolveu o Cardeal Billot, ao comentar o Vers. 11 do cap. 12 de Daniel, e após vários considerandas, sintetizou sua opinião com estas palavras: “Triplex ergo, sive ter repetita est haec abominatio desclationis apud Daniel: primo, sub Antiocho; secundo, sub Titus; tertio, sub Antichristo”. O que significa que Daniel vaticina a Abominação da Desolação para três ocasiões distintas: a primeira causada por Antíoco; a segunda no tempo de Tito; e a terceira no tempo do Anticristo.

Conclusão de Cornelius a Lápide. “Dico ergo... Digo que por Sacrifício Perpétuo se entende aqui o Sacrifício da Eucaristia. Este com efeito é perpétuo porque se oferece diariamente na Missa em todo o orbe, na Igreja, como em outros tempos se oferecia cotidianamente o sacrifício perpétuo de um cordeiro (Ex. 29, 28). Por isto a palavra grega com que se o designa ‘endelechismos' que quer dizer continuidade ou culto contínuo (ininterrupto) de Deus. Isto significa que o Anticristo quando alcançar o poder pleno eliminará (tollet) ou suprimirá o Sacrifício da Eucaristia; de tal maneira que ninguém ousará celebrá-lo publicamente. E portanto, suprimirá todo culto público a Deus”. Em continuação e para confirmação desta sua exegese cita São Jerônimo, Teodoreto, Hipólito, Irineu e Primasio.

E mais abaixo: “O Anticristo levará a cabo isto em primeiro lugar, porque quererá ser adorado sozinho, com sacrifícios, preces (...). Em segundo lugar com o objetivo de apagar a memória da Paixão e Redenção de Cristo, isto é, a Eucaristia. Em terceiro lugar, a fim de privar os fiéis deste alimento espiritual que robustece maravilhosamente na tentação e perseguição. E assim os poderá abater e submeter. Por isso os fiéis celebrarão então, privadamente em cavernas e lugares ocultos a Eucaristia e ficarão fortalecidos com a mesma contra o Anticristo, como o fizeram em outra ocasião sob o império de Decio e Diocleciano”.

Quanto à Abominação ele disse o seguinte: “ Abominação , isto é, um ídolo que bem pode ser o próprio Anticristo, que aguardará ser adorado em lugar de Cristo como se fosse deus, e chegará à desolação, isto é, arruinará e desterrará todo bem”. E diz numa nota: “Deus estabeleceu um tempo breve para esta perseguição, com o fim de que seus fiéis não se vejam demasiadamente oprimidos e aflitos em tão grande tentação; pois será tão grande e tão cruel, que inclusive os próprios eleitos seriam induzidos ao erro se isso pudesse ser (Mt. 24, 24)” (9).

Vejamos agora o Pe. Francisco Suárez (18), contemporâneo de Cornelius a Lápide, embora anterior a este em alguns anos. Suárez em sua obra “Mistérios da Vida de Cristo” (10) Polêmica 54. s. 4, em que trata da Doutrina do Anticristo disse o seguinte: “Pois por esta causa fará a guerra contra os santos e lutará contra a Igreja de Cristo, e tirará todos os sacramentos e o Sacrifício Perpétuo como consta em Daniel, 7, 25; 11, 36-39; 12, 11; e mais tarde o explicaremos mais amplamente” (sublinhado por mim).

Mais adiante, no Séc. 5, comentando o cap. 13 do Apocalipse e o cap. 8 de Daniel: “E nesta passagem fala do Anticristo porque em seguida acrescenta dele que suprimirá o Sacrifício Perpétuo ”.

No Séc. 6 em que fala que a perseguição do Anticristo há de ser a um tempo, temporal e espiritual: “Será uma perseguição para afastar os homens da Fé e do verdadeiro culto de Deus de tal forma que sejam induzidos ao erro, se assim fosse possível, até os eleitos... (Mt. 24, 14).

“Em segundo lugar serão obrigados a deixar todo culto de Deus e todos os ritos e cerimônias cristãs ; pelo que se diz em Daniel que naquele tempo se tirará o Sacrifício Perpétuo ; passagem que São Jerônimo a Teodoreto em seu comentário, e Santo Irineu e Santo Hipólito nas passagens citadas, entendem ser do tempo do Anticristo. Nesse tempo (dizem esses autores) pela acerbidade e violência da perseguição haverá de cessar todo o culto divino que os cristãos tributam a Deus, cuja parte principal é o Sacrifício da Eucaristia , ao qual se referem todas as demais coisas”.

Também os Padres acima citados supõem que então há de haver muitos e admiráveis mártires, que serão constantes da Fé até a morte; portanto de modo semelhante perseverarão nos montes e nas cavernas tais confessores, que depois virão a sobreviver à queda do Anticristo. E entre eles não faltará o uso dos Sacramentos e do Sacrifício Eucarístico em locais escondidos”.

Dando um salto para trás através dos séculos, encontramos uma interessante passagem de São Vicente Ferrer, na qual aflora a Tradição. “Finalmente – disse o Santo – a salvação da Humanidade está cifrada na celebração do Santo Sacrifício da Missa. Porque todos os esforços do malvado se centralizarão no eliminar da Santa Madre Igreja este Santo Mistério (...) por meio do qual os fiéis cristãos de boa vida, embora ignorantes (...) poderiam ver as astúcias e malícias do malvado Anticristo e de seus seguidores” (11).

Seria conveniente se fazer um rastreamento na busca de mais testemunhos da Tradição, através da Alta Idade Média, que não me foi possível realizar. Parece que se pode considerar como válida (19) uma expressão de São Tomás, ao tratar da distinção do caráter ou marca entre os filhos do Reino e os filhos da perdição “... É preciso dizer que alguém se distingue de outro pelo caráter ou marca, tendo em conta o fim ao qual se ordena aquele que recebe o caráter (ou marca). Por essa marca ou sinal se distingue o soldado do rei do soldado inimigo. Do mesmo modo é o caráter (ou marca) de Cristo, pelo qual se distinguem os fiéis do Cristo dos servos do Diabo, seja em relação à vida eterna ou em relação ao culto da Igreja presente. No primeiro sentido se realiza mediante a caridade e a graça; no segundo pelo caráter sacramental. No que se refere à marca da Besta (sobre a qual se fala no Apocalipse, 13, 16-17) se pode entender o diametralmente oposto: ou a obstinada malícia pela qual alguns estão reputados para a condenação, ou num outro sentido, a profissão de um culto ilícito ” (Ver. 3, q. 63 art. 3, ad. 3).

A meu ver daqui, se depreende com bastante clareza, que os assinalados com a marca da Besta serão os que se entregarem ao culto sacrílego e idolátrico instaurado pelo Anticristo em substituição ao verdadeiro culto de Deus que será abolido e suprimido.

Retrocedamos vários séculos à procura de testemunhos da Tradição dos Ss. Padres...

Teodoreto de Ciro (393-466). “Chama-se Abominação da Desolação, ao Anticristo, à mudança ou alteração da continuidade do culto eclesiástico à ordem interrompida e abolida devido a sua perversidade e furor” (12).

São Jerônimo (349-420). “Assim, portanto, a partir da supressão do Sacrifício Perpétuo (endelejismou, em grego) quando o Anticristo, dono do orbe, proibirá o culto de Deus até sua morte, se passarão 1.290 dias” (13).

São Metódio (1.255). “No sétimo tempo semanal, grande parte do Clero prevaricará também, e se verá suprimido e cessará nas igrejas o Santo Sacrifício ” (14).

Santo Hipólito (1.235). “Sobrevindo ele, desaparecerá o Sacrifício e a Libação que agora em todas as partes é oferecida a Deus pelas gentes” (15).

Pseudo Hipólito. Deste disse o Pe. A. Orbi (15) que em sua obra “De Consummatione Mundi” c. 34, se faz eco de maneira ingênua dessa Tradição: Da supressão do Sacrifício Perpétuo no tempo do Anticristo.

Santo Irineu (130-208). “Mais tarde, indica o tempo de sua tirania quando serão perseguidos os (20) santos, que oferecem a Deus o Sacrifício puro”. Vejamos ainda (16) o comentário do Pe. Orbi a esta passagem.

“Está claro o que Irineu entende pela perseguição e fuga dos santos ‘qui purum sacrificium offerunt Deo'. Cessará com o Anticristo o Sacrifício puro , a Eucaristia dilatada por todo o mundo entre as gentes para glorificar o Criador (...) A Eucaristia segundo Daniel (9, 27) eliminada durante os três anos e meio de tirania. Contra ela se cevará singularmente o ódio do Anticristo, por ser o Sacrifício mais frutuoso para o homem...”

Este mesmo autor apoia sua interpretação, citando os dois últimos Padres referidos anteriormente.

Desejo terminar a série de testemunhos que consegui reunir citando um famoso comentarista, Maldonado , cujo texto omiti em seu devido lugar (ou seja, imediatamente depois de Suárez) por considerar que não era devidamente explícito; mas refletindo melhor, creio que embora implícito, merece ser citado. Trata-se do comentário ao vers. 15 do cap. 24 de São Mateus: “Também este sinal é referido ao fim do mundo por Irineu, Hilário e o autor da obra imperfeita; o abraçam Jerônimo e Beda, embora não o aceitem integralmente. Algo semelhante terá que ocorrer nos dias do Anticristo, como o que se lê em Daniel (12, 11) e São Paulo (2 Tes. 2, 4)...”

“Daniel em duas passagens (9, 27; 12, 11). Porque segundo demonstramos em nosso comentário sobre 12, 11, o Profeta não fala de Antíoco nem de Vespasiano, nem de Titus, mas do Anticristo; e de tal maneira junta a Abominação futura do tempo com a morte de Cristo que evidencia referir-se à destruição do Santuário, sucedida pouco depois do Deicídio”.

“Mais dificuldades representam concretizar a abominação a que alude aqui Cristo. Os que crêem que é o Anticristo, dizem que tal personagem é a abominação citada, pois segundo São Paulo, se assentará no Templo de Deus e o profanará” (17).

Autores contemporâneos existem que consideram cumprida já esta profecia, em nossos dias, devido às reformas litúrgicas levadas a cabo por indicação do “Vaticano II”.

Gabrielle Rochon em sua citada obra, apostila aqui o comentário do Cardeal Billot: “Quem não reconhece neste relato comovente o que se passa na Igreja de Cristo? O Santo Sacrifício da Missa foi posto em interdito de maneira sutil e injusta, por homens da Igreja e nossas igrejas foram convertidas em templos de Satanás, onde se celebra um culto ímpio, sacrílego e herético instaurado pelo Antipapa Paulo VI.

“Aquele que lê, entenda (Mt. 24, 15). Mas, direis... (21). Como é possível que a maioria dos católicos se tenha colocado a favor desta reforma ímpia e assista a este culto diabólico que é a nova missa de Paulo VI? É São Paulo que nos dá a resposta a esta pergunta em sua Segunda Carta aos Tessalonicenses 2, 3-12.

“Temos de reconhecer que o que se passa hoje é um justo castigo de Deus para nos purificar de nossos pecados...”

Mas já antes que Gabrielle Rochon publicasse seu livro o Dr. Reinhard Lauth se havia pronunciado com toda clareza neste sentido (18).

“Por que lutamos? – pergunta – . O combate de Lutero teve um objetivo concreto. A destruição da Missa (...). Nós temos hoje a Abominação da Desolação instalada no lugar santo, como havia sido profetizado por Daniel e o próprio Cristo o havia anunciado como sinal da consumação. O Sacrifício cotidiano cessou ...”. Cita como relacionada a profecia de São Paulo (2 Tes. 2, 3-4). “ O Anticristo se sentará no Templo de Deus (...) Vivemos agora a primeira parte desta profecia: A Grande Apostasia ...”

O Dr. Lauth se admira igualmente de que dos setecentos milhões de católicos claudicasse a imensa maioria. Assim como de que 90% do clero se pegasse ao espírito da reforma conciliar; e de que só um Bispo ousasse dizer que o que se faz, se ensina e se ama já não é mais católico.

O holandês Dr. Visser publicou um trabalho sob o título “Der Zerstürung der Messe im Sogenantem N. O. M.” (19), que termina com estas palavras: “Santo Afonso Maria de Liguori escreveu: Satanás suprimirá o Sacrifício da Missa, e o fará por causa da falta de fé dos homens. O que estamos vivendo na atualidade já havia sido vaticinado à Igreja na Sagrada Escritura (tanto no Velho como no Novo Testamento); assim como por numerosos Santos e a Santíssima Virgem (em La Salette e Fátima). Daniel disse: ‘O Sacrifício Perpétuo cessará'. É evidente que se refere a isto”.

Esta convicção está muito difundida entre os Tradicionalistas e se expande com força esmagadora.

Certamente se o diretor da revista alemã “Einsicht” se decidiu a publicar em versão alemã a obra do Cardeal Billot, é porque estava convicto de que se encaixava na crua realidade que estamos vivendo. Assim ele se manifesta no prefácio que faz para a citada obra, tal como no curso da mesma numa infinidade de parênteses.

Não resisto a reproduzir alguns trechos deste prefácio. No que concerne ao Cardeal Billot: “O Cardeal Billot, S. J. (1846-1931) foi elevado a esta dignidade em 1911. Há setenta anos empreendeu a tarefa de interpretar os Avisos do Senhor e de seus profetas, que deu a sua Igreja para o fim dos tempos e sua Segunda Vinda. Sua exposição não se baseia em fábulas, mas em autorizadas fontes da Bíblia.

“O Cardeal Billot que havia nascido no ano da aparição da Mãe de Deus em La Salette é para nós uma testemunha nada suspeita e um grande exegeta. Seu tratado apareceu em Roma em 1920; em tempos, portanto, em que ainda não se havia esboçado a dramática evolução atual no campo da Igreja.

“Billot nos decifra a mensagem do Filho de Deus sobre Sua vinda, assim como sobre a situação religiosa ao fim dos tempos. Oxalá este texto proporcione uma maior claridade e transparência nestas dramáticas e tenebrosas circunstâncias! ...”

Entre parênteses adicionados pela Redação ao longo da obra do Cardeal Billot se considera e esclarece que a interpretação do autor se encaixa perfeitamente nas circunstâncias atuais do pós-Concílio. No apêndice por exemplo, quando se fala do estabelecimento da Abominação da Desolação na Cidade Santa, e de uma supressão temporária do Santo Sacrifício da Missa, que será substituída por uma espécie de celebração festiva (ou seja, uma brincadeira) comunitária, o diretor apostila entre parênteses: “Hoje – em 1987 – vemos plenamente cumprido este vaticínio...”. Assim, quando fala de uma organização mundial unitária para submeter todo o mundo num sentido determinado, recorda a Redação o organismo internacional da O. N. U.

Antes de encerrar este trabalho desejo fazer uma observação que se impõe diante do fato desconcertante – que não foi sequer imaginado pelos autores da Tradição – da suplantação do Sacrifício da Missa pela ceia protestante que é celebrada atualmente.

Alguns testemunhos da Tradição surpreendem por fazer uso, para expressar o fato da supressão do Sacrifício Perpétuo, de um verbo de valor estritamente jurídico, a saber: Abolir . Este é o verbo apresentado na tradução espanhola por Bover – Cantera e Edições Paulinas do Vers. 11, 31 e 12, 11; assim como a Bíblia de Jerusalém do vers. 11, 31: “Abolição o Sacrifício cotidiano...”

A versão grega dos Setenta emprega o verbo “metastesousin”, flexão do verbo “methistemi” que significa: Mudar, substituir, trocar, transformar. O que é mais que um simples “abolir” – derrogar ou abrogar, com uma conotação a mais; se trata de mais que “Obrogare” (que no jargão jurídico em língua espanhola é abrogar). Segundo a definição dos dois juristas romanos, “Est legis prioris infirmandae causa, legem aliam ferre” ou seja: “Promulgar uma lei para anular a anterior”. Não é portanto uma derrogação de forma direta, mas oblíqua. E isto é precisamente o que se realizou com a promulgação do Novus Ordo Missae (23).

De qualquer maneira uma palavra chave para se entender o modo de se realizar a supressão do Sacrifício Perpétuo ou Santa Missa, é um verbo com conotações jurídicas; já que suprimir legalmente só pode ser feito pelo Legislador. Outro procedimento seria agir contra o Direito e não deixaria de provocar oposições encarniçadas que publicamente se ergueriam contra uma intromissão injusta e tirânica. Deste modo não ficaria suprimido nem substituído o Sacrifício Perpétuo; enquanto que a profecia de Daniel o dá por “suprimido”.

Vejamos então. Resulta disso tudo que a supressão do Santo Sacrifício Perpétuo – a Santa Missa – ou seja, o Rito canonizado por um Concílio e um Papa que o fixou perpetuamente sob terríveis anátemas – ficou oficialmente decretada no dia em que se promulgou a Constituição Apostólica “Missale Romanum” por “Paulo VI”, a 3 de abril de 1969, Sexta-Feira Santa, para mais INRI.

Sim, assim de uma maneira tão simples e tão pouco barulhenta, conseguiu Satanás que fosse suprimido – legalmente – o Santo Sacrifício Perpétuo, ou Santa Missa. A esta supressão aderiram, de momento, mais de 90% do Clero. Na atualidade não restará nem sequer 1% que celebre ainda o autêntico Sacrifício Perpétuo da Nova Aliança.

Para compreender a eficácia quase absoluta desta abolição, não é necessário mais que atentar para o caso dos seis mil sacerdotes espanhóis – aproximadamente 25% dos padres espanhóis daquela época – da Irmandade Sacerdotal Espanhola de Santo Antonio Maria Claret que em carta dirigida a Bugnini se negaram a celebrar segundo o rito novo do N. O. M. com estas palavras: “Nós, sacerdotes católicos, não podemos celebrar uma missa da qual M. Thurian de Taizeh declarou que poderia celebrar sem deixar de ser protestante. A heresia não pode jamais ser matéria de obediência”.

Mas esta brava atitude deu em água de barrela. Bastou que alguém lhes insinuasse que se tratava de uma lei promulgada pelo papa e que se não celebrassem segundo o novo rito desobedeceriam o Santo Padre, para que a fortaleza dos Santos fosse derrubada (Dan. 12, 7), para que toda a sua enérgica vontade de oposição à heresia se enervasse e fosse desfeita como um torrão de açúcar em café fervente.

Quão habilmente agiu Satanás, e de que maneira mais suave e expedita deu cumprimento à profecia de Daniel! Se ergueram os sacerdotes espanhóis contra Bugnini, mas se estatelaram contra a lei do presumido legislador. Eficácia suma, absolutamente impensada por todos os comentaristas antigos e muitos dos modernos.

Assim, com a destruição em massa das estruturas multisseculares da Igreja, levada a cabo pelo Vaticano II e pelos “papas” a partir de “João XXIII”, manifestou o Anticristo seu vigoroso poder realizando com sucesso tudo o que quis (24), exterminando os fortes e o Povo dos Santos e se verificando ademais tal aniquilação com tamanha suavidade que mal é advertida por uns quantos (Dan. 8, 25-26; Apoc. 13, 7).

E isto acontece, porque embora a supressão ou derrogação do Sacrifício Perpétuo e de toda a ordem eclesiástica carece de legitimidade, sem embargo tem todas as aparências de legalidade. É a jogada mestra de Satanás, que não a realiza diretamente por si mesmo como julgava Santo Afonso M. de Liguori, nem tampouco o Anticristo em pessoa, como pensado por São Jerônimo, Suárez, etc.

Não, Satanás se valeu simplesmente da segunda Besta, que com aspecto de cordeiro falava a linguagem do Dragão (Apoc. 13). Repito que é esta a obra-prima de Satanás, uma astúcia incomparável, e insuspeitada, capaz de enganar até – se isso fosse possível – os próprios eleitos, como advertiu o Divino Mestre (Mt. 24,24).

Ao que parece o Profeta Daniel e São João ficaram aquém na expressão da trágica realidade, que tentaram representar para nós. E isto não por outro motivo, senão pelas deficiências da linguagem humana. Por isso tiveram que lançar mão destas macabras visões, com o objetivo de impressionar nossa imaginação. São imagens espantosas, terroríficas, em sua expressão linguística; mas são sobrepujadas pela profunda e cruel realidade. A realidade é ainda muito mais apavorante; só que devido ao fato de ser de ordem espiritual, a humanidade – o que digo sobre a humanidade? – Pois se nem os próprios católicos se apercebem da mesma, e isso é o pior; é o que é verdadeiramente terrível, e que deveria provocar os prantos mais angustiantes, que os que inspiraram a Jeremias a ruína e as calamidades de Jerusalém.

Será possível que isto não seja visto por 99% do catolicismo nominal? Que explicação se poderia dar a “esta Cegueira espiritual?” Se deve indubitavelmente a um castigo, devido a nossos pecados e a falta de amor à verdade, que nos poderia ainda salvar (2 Tes. 2, 10). Não se deve descartar uma base psicológica, em combinação com os misteriosos e adoráveis desígnios divinos, que seria muito interessante investigar. Já foi dito por Pascal, que as coisas de Deus têm luz suficiente para os que não desejam senão ver. Assim igualmente, há suficiente obscuridade para os que têm disposição contrária. Deste modo não se perde o mérito de ver, nem a responsabilidade de recusar o que é mau.

Este lado obscuro, o é ainda mais, quando se trata de profecias antes de se cumprirem, segundo foi explicado mais acima. Se bem que a ambiguidade das profecias desaparece com seu cumprimento, sem embargo o lado obscuro segundo o princípio de Pascal citado no parágrafo anterior permanece...

Por isso os titubeios e dificuldades que podem transformar-se em frustração. Vigiemos e oremos – é a ordem do Mestre – e peçamos luz, como o cego de Jericó: “Domine, ut videam!”.

Referências

(1) Guèranger, Dom Prosper: “The voice of one Chrynig in the Wilderness”. Tradução inglesa de Rama P. Coomaraswamy. Publicado por “Britons Catholic Library”. Sem data.

(2) “L'Abbé Gabriel et sa Fiancée” – cit. na obra de M. de la Franquérie, pág. 71.

(3) “Glorieux Centenaire” – cit. na obra anterior.

(4) “Die Bugnini – Akte. Eine Untersuchung über den Krischlen Umsturz”. Publicado em “Kyrie Eleison”; n.º 2 de 1994, págs. 7 e 77. Cit. da revista estadunidense “Sacerdotium”, pars verna, MCMXC III.

Referências

1 – Tello, T. “A Abominação da Desolação”, ROMA, n.º 109, julho de 1989, págs. 47-53. E em “Einsicht” XIX (7) de março de 1990, pág. 179.

2 – Rochon, G. “L'Infame trahison”. Montreal , 1981, págs. 22-23.

3 – Billot, Cardeal Louis. “Parusia”, Roma, 1920. Publicado em alemão num número monográfico de “Einsicht” de novembro de 1987. Trad. ao alemão pelo sacerdote Werner Grauss.

4 – A Sagrada Escritura. Texto e comentários pelos Pes. da Cia. de Jesus, B.A. C. 5323. Madrid, 1971.

5 – A Bíblia Comentada. Por professores de Salamanca. B. A. C. (209).

6 – Visser, Dr. “Die Zertürung der Hl. Messe in sogenante N. O. M.”. “Einsicht”, fevereiro de 1981.

7 – Santo Afonso Maria de Liguori, “Sobre a Celebração da Missa”, B. A. C., vol. II (183).

8 – “Da Missa Atropelada”. Op. Cit., pág. 402.

9 – A Lápide, Cornelius. “Commentaria in Danielem Prophetam”, cap. XII.

10 – Suárez, F. “Mistérios da vida de Cristo”, B. A. C. (55), Madrid, 1950. Dúvida 54.

11 – São Vicente Ferrer. “Opúsculo sobre as propriedades da Missa”, B. A. C., Madrid, 153.

12 – Teodoreto. “Comm in Danielem; Oratio X, circa finem”. Texto latino: “Abominationam Desolationis vocat Antichristum, mutationem continuitatis ecclesiastici cultus, ordinem ab illius infami et rabie dissiparum et abolitum”.

13 – “Commentaria in Danielem, 12, 11”.

14 – Citado por Rafael Pijoan em sua obra: “O Século XX e o Fim do Mundo”. Barcelona, 1941, pág. 214.

15 – Em sua obra “De Antichristo”, 64 e “sobre in Domieleu”, IV Cit. pelo Pe. A. Orbi, S. J. em sua obra “Teologia de Santo Irineu”. B. A. C. Maior, Madrid 1968, vol. III págs. 45-48.

16 – Trad. do Pe. Orbi, op. cit. Texto latino: “Deinde et tempus tyrannidis cius significat, in quo tempor fugabuntur snacti qui Sacrificium oferum Deo”.

17 – Maldonado, J. “Comentários aos quatro Evangelhos”, B. A. C. (59).

18 – “Zur Frage der Kirchlichen autoritat. Einsicht XI” (1) mai, 1981. (Publicado anteriormente na mesma revista, n.º VII (1), mai 1977.

19 – Número monográfico de “Einsicht”, mai 1987.

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