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II - Testemunhos cruciais na atual Paixão da Igreja


Por Arai Daniele


A presente Paixão da Igreja é bem diversa da inicial dos primeiros cristãos.

Pelo menos desde há dois séculos as forças que queriam destruí-la, e viram que isto era impossível, passaram ao plano alternativo: ocupá-la para depois transformá-la segundo as tendências liberais, maçônicas e judaizantes da política mundial moldada pela Revolução.

Hoje não há mais segredo sobre o que liga as idéias do modernismo com os planos maçônicos. Trata-se de um mega neoecumenismo capaz de abraçar não só as mais diferentes religiões, como a judaica, mas as mais obscuras ideologias, como a de uma nova ordem mundial. O plano da URI o desvela.

Ora, compreende-se que este programa representava uma última manobra de tal sabor dialético, que só poderia proceder de um "novo poder" na Igreja.

Eis que o principal plano maçônico nesse sentido era o de eleger essa "nova" autoridade para assumir o comando da Sé de Pedro. Tramava-se, pois para obter um poder papal segundo o desejo dos maçons.

Um bom número de documentos o atesta, descrevendo mesmo tal plano. Aqui vamos citar em especial uma descrição que provem de um consagrado apóstata, o Cônego Roca, onde se planeja um papa ao serviço de um compromisso religioso total, que avançaria por etapas de aspecto clerical.

Alguns indícios levam a pensar que a primeira tentativa desse plano se deu no Conclave que não elegeu o grande papabile, que foi o cardeal Rampolla "em odor de loja". Do fracasso da atuação desse plano agora só nos deve interessar que a trama redundou na intervenção da Providência divina que obteve para a Igreja a eleição de um papa santo, São Pio X.

Vejamos então a almejada transformação liberal da Santa Sé, sobre a qual há documentos, segundo o plano das lojas maçônicas que era nada mais nada menos que a eleição de um futuro papa, que convocaria um futuro concílio (segundo os seus planos). Já na época do centenário da Revolução francesa de 1789 estes planos podiam ser publicados sem problemas.

Vejamos o plano de mutação da Igreja do Cônego Roca, clérigo apóstata:

"O Concílio do Vaticano (novo), como Cristo que revelou aos seus irmãos um novo ensinamento, não deverá guiar a Cristandade, nem o mundo, na plenitude de outras direções senão aquelas seguidas pelos povos sob a secreta inspiração do Espírito, simplesmente para confirmá-los no modo de vida moderno, cujos princípios evangélicos, idéias e obras essencialmente cristãs, tornam-se, sem que eles o percebam, os princípios, idéias e obras das nações regeneradas antes que Roma cogitasse em preconizá-las. O Pontífice contentar-se-á de confirmar e glorificar a obra do Espírito de Cristo no setor público, e, graças ao privilégio de sua infalibilidade pontifical, declarará - urbi et orbi - que a civilização presente é a filha legítima do Santo Evangelho e da redenção social (Glorieux Centenaire, p.111)."

O grande complô do qual falamos não foi nunca produto da imaginação de complotistas, mas num outro trecho dessa publicação fala até de como deviam operar sorrateiramente nos seminários católicos. Ora, quando se considera que ele diz respeito à liquidação do Cristianismo, e nisto são empregados poderes civis e religiosos mundiais, governantes do mundo junto a grandes prelados, então se deve reconhecer que a descristianização global demonstra que o complô é uma tremenda realidade apocalíptica, embora se realize na indiferença geral. Os seus chefes são nomeados, eleitos e consagrados até como simulacros papais, sem reações adversas dos povos.

Uma nova pedagogia vai subverter o culto, a vida e a história cristã.

Ora, a Religião revelada é primariamente História Sagrada. Da Gênesis ao Apocalipse são descritos os desígnios divinos que concernem o ser humano e as etapas daquela perene luta do mal contra o bem que se manifesta na história, com resultados segundo os homens acolham ou recusem a Ordem divina. Portanto, mutilar a história de seu aspecto sobrenatural não significa só privá-la de sentido, mas abolir a própria Religião, e com ela o respeito da razão na sociedade e do fim último do ser humano, que é o culto a Deus.

A verdadeira guerra do mundo se resume nisto: a Cristandade para sobreviver deve preservar a presença do sobrenatural no Santo Sacrifício da Missa, enquanto que a Revolução para abatê-la procura com todos os meios substituí-lo com um novo culto aberto a uma gnose ecumenista naturalista.

Ora, é fato acertado que uma "cria" dessa secreta revolução modernista, aberta ao naturalismo e ao ecumenismo maçônico e judaizante, foi eleito papa. Trata-se de Ângelo Roncalli cujas idéias modernistas transpareceram já como seminarista, como relata seu amigo modernista, o senador Giulio Andreotti em seu livro «I quattro del Gesù. Storia di un'eresia» (Rizzoli, 1999). Ângelo Roncalli, Giulio Belvederi, tio da mulher de Andreotti, Alfonso Manaresi e Ernesto Buonaiuti eram os quatro seminaristas amigos, que comungavam na mesma visão modernista da religião. Os últimos dois avançaram tanto nessas idéias heréticas que foram, o Manaresi censurado e o Buonaiuti excomungado, abandonando o sacerdócio. Belvederi e Roncalli se salvaram em tempo graças a seus protetores, no caso de Roncalli pelo bispo de Bérgamo, Giacomo Radini Tedeschi, in odor de modernismo.Outro companheiro de Roncalli em Bérgamo foi Nicola Turchi, tradutor do historiador Duchesne em italiano, ambos também censurados porque eram professores de uma história naturalista que censurava todo o sobrenatural, o método que põe em dúvida até a existência de Jesus histórico. Eles ainda não haviam levantado tal dúvida, mas para esse método isso era inevitável.

Por causa dessa mentalidade Roncalli foi afastado do ensino de história e isto ficou registrado, assim como suas diversas amizades maçônicas. Será que estas não ajudaram a carreira de um clérigo de baixo valor intelectual?

Porque se pode dizer acertado o fato que ele era "cria" da secreta revolução modernista, que abriria ao ecumenismo maçônico e judaizante? Porque uma vez eleito papa, convocou para isto um grande "concílio ecumênico", mas só pastoral, cujos frutos nefastos demonstram o plano dessa abertura, que seguiu justamente a direção de suas amizades, até no campo litúrgico.

Pode-se dizer que alguns prelados mais esclarecidos, como Dom Proença Sigaud, compreenderam logo que a Revolução encontrava as portas abertas no Vaticano, como se pode entender pelo seu lúcido relatório de então.

De fato, durante o Vaticano II, a reação criada pelo "Coetus Internationalis Patrum", que ele reunira, conseguiu obstar o avanço dessa revolução no campo litúrgico e doutrinal. Mas em Roma, depois de João XXIII, Paulo VI era favorável aos inovadores como ele (Le Rhin se jette dans le Tibre, Le Concile inconnu), e com isto a revolução avançou a todo vapor.

É fato histórico que concluído o Vaticano II, com a devastação doutrinal esboçada, o novo alvo foi especialmente o rito do Santo Sacrifício redentor.

Essa reforma litúrgica foi adiada para reaparecer depois com a "missa de Paulo VI", cuja definição protestante causou escândalo.

Foi então que boa parte da reação católica aos enganos do Vaticano II, que até o fim resistiu às insídias modernistas na Doutrina, comprendeu que era pia ilusão apelar-se à intervenção papal para evitar a insídia de uma revolução litúrgica, pois era justamente a "missa de Paulo VI" o engano consumado.

A esse ponto diversos prelados passaram a reagir junto a grupos de leigos para preservar a Santa Missa de sempre. Foi a reação crucial, que hoje motiva um "Coetus Fidelium" à distância de mais de quatro décadas, não só para repetir as objeções católicas sobre o Novus Ordo, mas para concluir que tais desvios derivam de um plano realizado pela ausência da autoridade papal.

A convulsão teve assim aspectos lacerantes para a alma do sacerdote católico, que se sentiu profundamente ferida na sua mais alta missão.

Mas também havia o aspecto do abandono político da Cristandade.

O Cardeal Mindszenty acusou a ruinosa política conciliar de Paulo VI em várias ocasiões, como está registrado nas suas ‘Memórias’.

Também o Cardeal Slipy, contrário a tal ‘aggiornamento’ ecumenista, decidiu consagrar dois bispos em Roma, sem a anuência do Vaticano.

Ainda na Itália o Arcebispo Arrigo Pintonello fez ouvir a sua voz de protesto. O mesmo fez na Alemanha o bispo Kurz, junto a tantos outros. Todos, porém, não conseguiram obter algum resultado.

Uma vez que se reconhecia o autor da demolição conciliar como legítimo papa, essa resistência só podia ficar reduzida a pequenos grupos, dos quais, porém, alguns não viam outra saída senão apelar-se a Paulo VI. Este, de tanto em tanto, declarava ver a autodemolição da Igreja, onde a fumaça de Satã havia penetrado, mas sem que nenhuma providência fosse tomada para descontinuar a avassaladora ruína que prosseguia infrene.

Diante dessa contradição alucinante, reações sacerdotais se multiplicaram no mundo, mas foram sendo sistematicamente isoladas através de soluções drásticas. O Jesuíta mexicano, Dr. Joaquin Saenz y Arriaga (autor da "Nova Igreja Montiniana", "Scisma ou Fé, etc.) e em seguida o teólogo Guérard des Lauriers, foram ‘excomungados’, enquanto outros, como os Padres de Nantes, Coache, Barbara, Bellucco, para mencionar os mais ativos, foram suspensos ou ‘desqualificados’, sem processo. Outros, como don Francesco Putti, Padre Vinson, Padre Baker, don Luigi Villa, e outros poucos, visto o apóio de que dispunham da parte, ou de cardeais silenciosos ou dos fieis, ou de grande número de leitores, foram simplesmente ignorados e isolados.

A resistência falhada de um livro que surgiu no Brasil

Recordamos antes a importante reação de prelados e de leigos antes e durante o Vaticano, que hoje parece inteiramente esquecida.

Agora há que falar do segundo livro crucial nessa hora de paixão da Igreja. Trata-se de um longo trabalho que testemunha a dúvida verdadeira, o nó crucial daquele momento: Diante dessa nova missa pode-se questionar a posição da autoridade? Pode o Papa cair em heresia?

Esse trabalho foi distribuído por todos os bispos brasileiros e enviado ao Vaticano para Paulo VI. Depois foi traduzido em francês com o título «La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu’en penser?», Diffusion de la Pensée Française, Vouillé, 1975. Seu autor é o advogado Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, que então era membro da TFP, mas o livro foi escrito junto com Bispo Antonio de Castro Mayer, que me confirmou ser o trabalho «redigido a quatro mãos». Há diversas questões ligadas a esse importante livro.

- A sua enorme oportunidade para aquele momento de paixão da Igreja.

- O original em português, enviado para os bispos brasileiros e também para o Vaticano (que me foi oferecido por Dom Mayer), a questão sobre a possibilidade do papa cair em heresia precede aquela sobre a Missa.

- Os autores passaram a receber pressões para não publicarem o trabalho em troca da tolerância assegurada pelo Card. Scherer, tanto para as iniciativas da TFP, como para preservar a Missa de S. Pio V na Diocese de Campos.

- O trabalho, embora muito oportuno, parte da premissa falsa que a Lei da Igreja é falha sobre a questão do papa herético e ignora a Bula de Paulo IV.

Tendo tratado repetidas vezes desse argumento e da discussão sobre a Bula, devo afirmar que é histórica a aversão contra esse documento infalível da Igreja. Isto se repetiu até com autores do peso de São Roberto Bellarmino.

De modo que não surpreende a posição de autores como Suarez, Matthæucci, Pighi, Bouix, Billot, que endossaram a idéia que a lei para assegurar na Igreja a legítima autoridade ainda devia ser estudada. Por isto, ainda hoje se discute a questão, como se houvesse um vazio no magistério infalível e na lei e da Igreja para assegurar a autoridade que representa Deus na terra.

Bem fez o Dr. Homero Johas em aprofundar a questão que, tanto é vital e decisiva, quanto esquecida na Igreja militante numa hora crucial como esta.

A autoridade existe para conter nos limites do bem a liberdade humana, como ensinaram sempre os Papas. E visto que em qualquer campo o termo correlativo à liberdade é autoridade, que dizer se do âmbito superior da autoridade religiosa, do papa - autoridade que representa Deus -, procede uma voz que declara o direito à liberdade religiosa diante de Deus mesmo, diante da Verdade revelada?

Não bastaria isto para pelo menos duvidar que essa voz tenha algo em comum com a continuidade da autoridade apostólica de representação divina?Pois foi isto que ocorreu com o Vaticano II e sua declaração "Dignitatis humanae", que proclama o direito humano de toda escolha religiosa.

Aqui é bom lembrar que a causa primária do "Mistério da iniqüidade" não são os inimigos da Fé, que sempre operaram para a sua liquidação, mas a demolição interna de suas defesas com a apostasia geral dos prelados e após dos fiéis.

A defesa que provém da Fé, depende de sua preservação através dos recursos de que foi dotada a Igreja católica. Para isto existe a Lei canônica e o seu Código.

Foi antes lembrado que não faltou uma tomada de posição diante do engano modernista e judaizante da Igreja, mas que esta se dissolveu diante de um engano maior: o dever de obedecer à falsa autoridade "apostólica", mas reformista!

E isto apesar de ter ficado claro nos anos que seguiram o Vaticano II, que o tal libelo de acusação de 1965 era fundado pois se tornara evidente que só através um supremo poder desviado e um conciliábulo auto proclamado ecumênico teria sido possível programar reformas profundamente anti-evangélicas que levariam os filhos da Igreja à contradição ecumenista total e letal da hora presente, que se demonstra de novo promovida por Bento XVI*.

Pois bem, agora é clara a ligação do primeiro crucial testemunho contra a proclamação da "Nostra aetate" e o que seguiu na obra ecumenista dos papas conciliares. Das viagens de Paulo VI e João Paulo II à cerimônia da oração pela paz das grandes religiões em Assis, até o abraço ecumenista com o judaísmo do milenarismo sionista de Bento XVI, o elo é patente. Consiste na releitura do Evangelho à luz de uma Antiga Aliança que não foi, segundo os judeus, superada pela Aliança em Cristo.

Se assim fosse Seu Sacrifício seria inútil para o antigo Povo eleito, como hoje os rabinos proclamam até em Roma e nas barbas dos bispos que se dizem católicos.

Na hora presente, não só a voz do Pastor foi silenciada, come a do Papa com seu séquito da visão do Segredo de Fátima, mas soa outra que convida a uma reconciliação "teológica" da Fé de Cristo com aquela que O nega. Tal propósito de incrível reconciliação, não entre pessoas ou povos, mas entre religiões, revela tramas inauditas para os católicos, a respeito dessas "autoridades".

Porque é de Fé que quem repele Jesus Cristo e o Seu Batismo se perde, e esta reconciliação excluindo conversão implica que deste imperativo se excluem os judeus. Por isto quem a promove demonstra: ou de não professar a fé católica, ou de não ter a esperança católica de que todos se podem converter, ou de não se importar da conversão dos judeus, deixando que se percam, e então não tem a caridade católica. Se apesar disso ocupa um alto cargo ordenado justamente à confirmação universal destas virtudes suscitadas por Deus para a conversão a Cristo, mas opera de modo que se ignore essa responsabilidade da alma para salvar-se, então se comporta como inimigo de todos os homens, dos cristãos como dos judeus, servindo a obra letal do Anticristo. A atual alienação da autoridade "católica" indica essa situação terminal.


*A ORU benzida por Bento XVI
Depois de ter visto que o plano maçônico almeja uma ORU, Organização das Religiões Unidas, que sob o nome público de URI foi benta por João Paulo II, vejamos a continuidade dessa mega iniciativa "ecumenista" sob o cardeal Ratzinger e agora sob Bento XVI, quando se reforça com novas propostas.

Ora, "é notório que desde 1999 ele participou «Foundation for "Inter-religious and Intercultural Research and dialogue"», da qual faziam parte, alguns rabinos, um príncipe da Jordânia, um luterano e também... Neil Bush, chefe da CIA e atual patrão da Carlyle. Trata-se de uma das tantas operações da intelligence USA para influenciar, tornando favoráveis às políticas americanas, prelados e outras personalidades influentes, e Neil Bush participou a diversas destas operações. Hoje pode-se deduzir que Ratzinger adere com deliberada convicção à esta ordem de idéias e demonstra sua clara simpatia, o seu encorajamento através das missas que celebrou para um movimento católico alemão, «Katholische Integrierte Gemeinde», em português «Comunidade Católica de Integração» (CCI). E’ o movimento fundado pela senhora Traudl Weiss, que em 1945 ficou traumatizada pela visão dos sobreviventes de Dachau. A Weiss reuniu fieis em torno da idéia que «o que havia acontecido em Auschwitz exigia da Igreja uma conversão às suas raízes hebraicas»; pela qual «os cristãos compreendessem a própria co-responsabilidade no Holocausto, e que esta consistisse no próprio estranhamento teológico do Antigo Testamento».
No testo de apresentação do CCI (4) se lê, por exemplo que «Pensadores hebreus, como Elie Wiesel, indicaram Auschwitz não como fim do hebraísmo mas como fim do cristianismo.

Tais discursos "proféticos", deduzidos da história contemporânea, seriam ligadas às palavras dos profetas bíblicos e lembram à Comunidade o encargo permanente da crítica à religião, também ao interno da Igreja Católica».

Trata-se, portanto de construir integralmente o Reino de Deus em terra.

Disto decorre o encontro com o hebraísmo sionista: de fato, segundo a CCI, «Israel aceita com paixão o mundo como dom de Deus. Israel sabe que se não submetesse o seu mundo exterior, e portanto a sociedade ao Reino de Deus [em terra], a sua fé seria coibida e fora da realidade».

Pode-se ler neste conceito o motivo pelo qual os hebreus mataram Jesus como blasfemo: porque acreditavam que a Aliança que tinham com Deus contemplasse esse «dom» divino do mundo, para que os hebreus «o submetessem», como fazem presentemente na Palestina e não só, com a conhecida lobby, sem exclusão da astucia, a violência e o engano.

Assim «em suas viagens à Israel os membros da Comunidade estreitam relações de colaboração e amizade com a rede de kibbutzim», o que significa com os Gush Emunim (uma entidade à qual adere 50% da população israelita), cujo lema è: «A integralidade da terra para a integralidade do hebraísmo».

A religião hebraica almeja de fato ao integral domínio terreno. Após o matrimonio da Weiss com um rico advogado, Herbert Walbrechter, a CCI iniciou essa santificação do projeto terreno comprando firmas falidas, fábricas, um banco, hospitais. Isto para expandir tal fé «granjeando para esta todos os setores deste mundo». Tal objetivo econômico não se assemelha àquele do protestantismo calvinista e ao seu «espírito do capitalismo», que vê no sucesso econômico uma prova da predileção divina para com os homens de sucesso terreno? «O domínio econômico da CCI é, escreve o escritor Valente (30 dias), «a Torah que realiza o projeto colossal de submeter toda vida ao reino de Deus» (também os bancos e a Wall Street?). Naturalmente, isto concorda perfeitamente com o "dogma" da «permanente eleição de Israel da parte de Deus».

Mas este especial filo-sionismo milenarista não é ainda pior que o dos «cristãos renascidos», protestantes americanos que almejam favorecer Israel apoiando suas conquistas anti árabes, com a esperança de «acelerar o segundo Advento» de Cristo, e assim a conversão final dos hebreus.

Ao contrário, os católicos alemães amigos de Ratzinger, apóiam os sionistas ocupantes das terras palestinas, enquanto emissários do cumprimento do hebraísmo com a «verdadeira religião»; justamente aquela condenada por Jesus Cristo: «Para que te serve conquistar o mundo, se depois perdes tua alma?».

Em todo caso tudo isto foi lembrado aqui para que se saiba que foi o monsenhor Ratzinger, como bispo de Mônaco da Baviera, a aprovar os estatutos da CCI, e que deste então «é hospede de honra nas suas reuniões» e isto apesar da hostilidade provinda de amplos setores da igreja alemã, sobre as publicações dessa Comunidade, onde aparecem fotos e intervenções de Ratzinger. (Valente, página 165).

Que não fará ele hoje ocupando a Sede de Pedro e indo visitar Israel?

Já isto revela como o complot, que estava bem delineado há várias décadas, avançou dentro da Igreja ao ponto de ver proclamado em seu nome a exigência que de uma sua conversão às raízes hebraicas» pela qual «os cristãos compreendessem a co-responsabilidade própria no Holocausto, resultante de seu estranhamento à Aliança do Antigo Testamento para a edificação do Reino de Deus em terra, crença esta em contraste abissal com o Evangelho de Jesus Cristo.

Hoje vivemos o momento histórico em que a idéia que compete à Religião cristã converter-se às terrenas raízes hebraicas, provem da mente de quem aparece como representante de Cristo!

A recusa de Jesus Cristo Salvador justificada por quem diz representá-Lo.

Não indica isto que a mentalidade do Anticristo dominou a Sede do Vaticano, para a perdição do mundo?

Considerações sobre a nova fase de relações entre Roma e a FSSPX



Mons. Mark Pivarunas, CMRI


Caros amigos e benfeitores,

Com as recentes notícias sobre o “levantamento” das excomunhões dos bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, eu não seria surpreendido em ver no futuro a sua reconciliação com a igreja do Concílio Vaticano II.
A razão disso é que a FSSPX continua a sempre vacilante teologia de seu fundador, o Arcebispo Marcel Lefebvre. Aqueles que cuidadosamente observaram o Arcebispo Lefebvre através dos anos perceberam que em um tempo aderiu à uma “linha dura”, em que declarava que a Igreja conciliar era uma Igreja herética e cismática. Porém, mais tarde minimizou sua posição em que ele dizia ter meras reservas sobre os erros do Vaticano II.
Essa posição vacilante não é difícil de demonstrar. Em junho de 1976, depois que Paulo VI emitiu uma “suspensio a divinis”, proibindo o Arcebispo de administrar os sacramentos D. Lefebvre respondeu:
“ Nós fomos suspensos a divinis pela Igreja conciliar e para a Igreja conciliar, a qual nós não desejamos pertencer. A Igreja conciliar é uma igreja cismática porque rompeu com a Igreja Católica que sempre foi. Ela tem seus novos dogmas, seu novo sacerdócio, suas novas instituições, seu novo culto, tudo já condenado pela Igreja em muitos documentos , oficiais e definitivos.... A Igreja que afirma tais erros é imediatamente cismática e herética. Essa Igreja Conciliar, conseqüentemente, não é católica. Isso se estende ao papa, bispos e fiéis que aderem a essa nova Igreja. Eles próprios se separam da Igreja Católica.” (Reflexões sobre a suspensão a divinis. Mons. Marcel Lefebvre).
Mas em uma carta de 1980, endereçada a João Paulo II o Arcebispo escreveu:
“Santo Padre, para encerrar algumas dúvidas que agora estão circulando em Roma e em certos meios tradicionalistas na Europa e na América... permita-me dizer mais uma vez o que eu sempre expressei... eu concordo plenamente com os juízos de Sua Santidade sobre o Vaticano II... que o Concílio deve ser entendido na luz da Sagrada Tradição e na base do Magistério constante da Santa Igreja”. Considerando a Missa do Novus Ordo, a despeito de todas as reservas que nós termos sobre ela, eu nunca disse que ela é em si mesma herética ou inválida.”
E mais uma vez, em abril de 1981, em uma carta ao Cardeal Seper, o arcebispo reiterou:
“Se algumas de minhas palavras e alguns de meus atos são desaprovados pela Santa Sé, sinto muito. Considerando o Concílio, eu mais uma vez reforço a frase do Santo Padre, dizendo que o Concílio deve ser entendido à luz na Tradição e do Magistério constante da Igreja. E considerando a reforma litúrgica, eu mesmo assinei o decreto conciliar e nunca afirmei que suas aplicações eram em si mesmas inválidas e heréticas.”
Mais tarde, em 1987, o Arcebispo pareceu reverter sua posição dócil:
“Eu tentei resumir para o Cardeal Ratzinger, em certas palavras, é claro, porque é muito difícil resumir toda essa situação; mas eu disse a ele: ‘Eminência, veja, mesmo se o senhor nos conceder um bispo, mesmo se o senhor nos conceder um governo próprio em relação aos bispos, mesmo se o senhor nos conceder toda a liturgia de 1962, se o senhor nos conceder continuar com os seminários e com a Sociedade, como a conservamos agora, nós não podemos colaborar; isso é impossível, é impossível porque nós trabalhamos em duas direções diametralmente opostas; os senhores, os senhores trabalham pela descristianização da sociedade, da pessoa humana e da Igreja, e nós, nós trabalhamos por sua Cristianização.’ Não podemos estar em acordo. Roma perdeu a Fé, meus caros amigos. Roma está na apostasia. Não são apenas palavras, não são palavras ao vento que estou dizendo a vocês. É a verdade. Roma está na apostasia”.
E novamente, em agosto de 1987, em carta endereçada aos futuros bispos, o Arcebispo declarou:
“Meus caros amigos, a Sé de Pedro e os postos de autoridade em Roma estão ocupados por anticristos, a destruição do Reino de Nosso Senhor está sendo realizada a partir dentro do Seu Corpo Místico... É Roma, modernista e liberal, que está realizando seu trabalho de destruição do Reino de Nosso Senhor...”
Para o Arcebispo, ora a igreja conciliar é herética e cismática e ora é a Igreja Católica. Ora “Santo Padre”, ora “anticristo”.
Na raiz dessa confusa teologia está o errôneo conceito de papado. A FSSPX protesta, mas reconhece os papas do Vaticano II como legítimos. Não tem aprovação canônica de seus “papas”, e continua a estabelecer igrejas e administrar os sacramentos por todo o mundo sem considerar a sua falta de status jurídico.
Este errôneo conceito da FSSPX de “reconhecer e resistir” àquele que consideram como “papa” está em completa contradição com os decretos infalíveis do Concílio Vaticano I em 1870:
“Por isso, pelo direito divino do primado apostólico, o Romano Pontífice é a cabeça de toda a Igreja, e Nós ensinamos e declaramos que ele é o supremo juiz dos fiéis; ele julga em todos os casos pertencentes à jurisdição eclesiástica. Nós declaramos que o julgamento da Sé Apostólica, cuja autoridade é intranspassável, não está sujeito à revisão de ninguém, nem está reservado a ninguém julgá-la em sua decisão...”
Se os falsos papas do Vaticano II foram papas verdadeiros, a FSSPX não poderia ter o direito de estabelecer igrejas, administrar sacramentos, sagrar bispos sem mandato papal, assumir um papel de quase – hierarquia, que define entre os ensinamentos “papais” quais são ortodoxos e quais são errôneos. É uma contradição total!

É por isso, pela nossa fé no papado, na infalibilidade papal e no primado de jurisdição do papa, que nós rejeitamos esses falsos ocupantes da Sé de Pedro.
Quando examinamos atentamente os ensinamentos da Igreja sobre o papado, nós verificamos que é impossível que um Papa verdadeiro possa promulgar ensinamentos heréticos como falso ecumenismo e liberdade religiosa, bem como legislar sobre uma sacrílega “comunhão Eucarística” com heréticos e cismáticos. O Concílio Vaticano I claramente define:
“Os padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo os passos de seus predecessores, fizeram esta solene profissão: ‘A primeira condição para a salvação é manter a norma da verdadeira Fé. Por isso é impossível que as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, que disse “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” ( Mat. 16, 18), não possam ser verificadas. A sua veracidade pode ser provada no curso da história, em que a Sé Apostólica da religião católica tem se mantido intocada e seu ensinamento tem se mantido santo” ... Certamente esta foi a doutrina apostólica que todos os padres abraçaram e que os santos doutores ortodoxos reverenciaram e seguiram. Para eles se realiza completamente isto: que essa Sé Apostólica permanece livre de qualquer erro, de acordo com a divina promessa de Nosso Senhor e Salvador feita ao príncipe dos apóstolos: ‘Eu roguei por ti, para que tua Fé não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma teus irmãos’.(Lucas 22, 32)”.

Por isso, se a FSSPX considera a possibilidade de se reconciliar com a Igreja do Vaticano II, a questão permanece: que preço eles pagarão para ter um espaço no púlpito ecumênico da Igreja conciliar? Aceitarão o falso ecumenismo, a liberdade religiosa e a missa nova?

Com minhas orações e minha bênção
Rev. Mons. Mark Pivarunas, CMRI

Publicado originalmente em ADSUM - Fevereiro de 2009
Tradução autorizada de Coetus Fidelium. Publicação permitida desde que citada a fonte.

Questões Disputadas - Felipe Coelho X Jorge Ferraz

Abaixo trancrevemos duas disputas teológicas travadas no site Deus Lo Vult (http://www.deuslovult.org) onde o Prof. Felipe Coelho, ex-membro da Associação Cultural Montfort, ao responder dois artigos do Sr. Jorge Ferraz, prova no primeiro que o sedevacantismo não implica na heresia da perda da Visibilidade e da Hierarquia da Igreja e, no segundo, que os sedevacantistas não são cismáticos em nenhuma hipótese.

Recomendamos vivamente a leitura dos debates pela alta erudição, pela sincera honestidade na busca pela verdade, pela abundância de fontes expostas e pela polidez e cordialidade empregada, sempre, pelos dois lados.

Quem quiser lê-las no original, é só acessar os links abaixo:
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Artigo Nº 1 – O problema inexistente, por Jorge Ferraz



Auguro que a este gesto meu [a retirada das excomunhões] siga o solícito empenho por sua [da FSSPX] parte de levar a cabo ulteriores passos necessários para chegar à plena comunhão com a Igreja, dando testemunho assim de fidelidade verdadeira e verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II.

[Bento XVI, audiência geral de quarta-feira última (28/01)]


Estas foram as palavras ditas pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI, na audiência geral da quarta-feira passada, que ensejaram as notícias que circularam no meio católico segundo as quais o Papa havia pedido aos lefebvristas que reconhecessem o Concílio Vaticano II. No dia seguinte, quinta-feira 29 de janeiro, o Rorate Caeli publicou uma notícia (aqui reproduzida) que dizia ter Dom Fellay reconhecido teologicamente o Vaticano II (segundo informações do cardeal Castrillón Hoyos). Estranhamente, não vi nenhuma repercussão mais séria sobre estas declarações que me parecem, todavia, de importância capital.

Antes de mais nada, é preciso assumir que não se tem (pelo menos eu não tenho) muito claro o que vem a ser “reconhecer teologicamente” o Vaticano II, mantendo no entanto reservas sobre alguns pontos do Concílio. Isso pode significar qualquer coisa. No entanto, tenho esperanças de que signifique algo próximo da maneira como eu próprio vejo o Concílio, que não é de modo algum “invenção minha” mas, ao contrário, é a posição mais sensata que eu observo nos meios católicos que freqüento.

Trata-se de uma coisa simples: em suma, pode ser definido como reconhecer no Concílio aquilo que ele se propõe a ser, nem mais e nem menos. Baseia-se em alguns princípios, entre os quais dois são, a meu ver, fundamentais: (a) a radical incapacidade de que a Doutrina da Igreja tenha sido “adulterada” e (b) a legitimidade da decisão da Igreja de apresentar a Doutrina Católica da maneira como ela foi apresentada. Passemos rapidamente em revista estes (no meu entender) dois princípios chaves.

Quanto ao primeiro, trata-se da atitude de se reconhecer intelectualmente, a priori, antes mesmo de se debruçar sobre os textos conciliares, que a Doutrina da Igreja não foi modificada pelo simples fato de que ela não o pode ser. Assim, o esforço intelectual passa a ser não o de “caçar heresias” nos textos do Vaticano II (expediente muitas vezes utilizado por alguns que se pretendem defensores da Igreja), mas sim o de buscar interpretar o que foi dito na única maneira em que é lícito interpretá-lo, i.e., em plena conformidade com tudo o que foi dito anteriormente pela Esposa de Nosso Senhor. Não se trata de um debate para se saber “se o Vaticano II foi heterodoxo”; esta resposta prescinde de qualquer debate porque, por definição, um Concílio Ecumênico legítimo não pode trair a Fé da Igreja. Não adianta perder tempo com isso; deve-se ter como um axioma, como um a priori, como um princípio basilar a ser estabelecido antes de todo o resto, que o Concílio não pode ter alterado a Fé Católica Imutável. Pôr isso em dúvida é perder tempo e correr o risco de se chegar a conclusões disparatadas.

Portanto, é verdade por definição que o Vaticano II não alterou a Fé da Igreja. No meio do turbilhão de idéias heterodoxas que encontramos nos meios católicos dos nossos dias, é preciso afirmar ousadamente a Fé Católica, não admitindo que os inimigos da Igreja utilizem-se indevidamente de textos conciliares para justificar as suas loucuras. É preciso dizer que “a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica” não contradiz de nenhuma maneira a verdade anteriormente afirmada de que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica e somente Ela; é preciso dizer que as pessoas se salvam única e exclusivamente por meio da Igreja Católica, ou pertencendo-lhe às estruturas visíveis ou à Sua “alma” nos casos de Ignorância Invencível, e que dizer que o Espírito de Cristo não se recusa servir-se das seitas e dos cismas como meios de salvação não significa de nenhuma maneira afirmar um inexistente “poder salvífico” paralelo àquele que detém a Igreja de Nosso Senhor; é preciso dizer que os “elementa ecclesiae” que possuem as seitas e cismas não lhes são próprios, sendo portanto equiparáveis aos “vestigia ecclesiae” com a diferença terminológica de que “vestígio” indica uma reminiscência de algo que já se foi um dia, não havendo propriamente “vestígio” de catolicismo em um protestante que nunca foi católico; é preciso dizer que o homem possui uma Natureza Decaída devido ao Pecado Original, e que nenhuma “semente divina” no sentido de natureza sobrenatural intrínseca é-lhe imanente; é preciso dizer que a liberdade religiosa equipara-se, para os falsos cultos, à tolerância religiosa, com a diferença terminológica de que o Estado em Si considerado não tem potestade para arbitrar entre o bom e o mau (embora tenha capacidade para reconhecer a Igreja como verdadeira) e, portanto, não “tolera” propriamente os falsos cultos (quem os tolera é a Igreja); é preciso dizer que os bispos não têm um poder colegial próprio que seja independente do Primado do Romano Pontífice; é preciso, enfim, reafirmar com ousadia tudo que é de Fé Católica e Apostólica, a despeito do que alguns “defensores do Concílio” digam. E isso pode e deve ser feito sem nenhum escrúpulo de consciência, porque não pode ser um verdadeiro defensor do Concílio quem, ao mesmo tempo, ataca a Fé de sempre da Igreja que, conforme vimos, simplesmente não pode ser modificada nem por um Concílio Ecumênico.

Quanto ao segundo princípio, trata-se da atitude de filial submissão ao Magistério da Igreja, abstendo-se a Igreja Discente de arvorar-se Igreja Docente e de criticar como intrinsecamente maus alguns textos conciliares. Trata-se, se for para dizer em duas palavras, de, primum, afirmar a possibilidade de interpretação do Vaticano II em consonância com toda a Tradição da Igreja e, secundum, afirmar a potestade da Igreja de utilizar-Se dos termos que melhor Lhe aprouver para a expressão da Verdade Revelada, por mais que eles nos pareçam inadequados ou por mais que nos pareça que termos melhores pudessem ter sido escolhidos.

Ainda que existam, de fato, termos melhores que poderiam ser aplicados e maneiras melhores de se dizerem as coisas que foram ditas, não é este o ponto. O que deve ser salvaguardada é a ortodoxia (no sentido de “existência de interpretações ortodoxas”) das coisas que foram ditas da maneira como foram ditas; isto é que é o fundamental. Aqui, trata-se de evitar a atitude de (infelizmente!) não poucos católicos segundo os quais as “ambigüidades” conciliares excluem a possibilidade de interpretação ortodoxa do Vaticano II. Deixemos por ora de lado as discussões sobre as supostas ambigüidades, sua gênese e seus remédios; não é para que neguemos a possibilidade de interpretações disparatadas do Concílio. Mas é para que não neguemos a possibilidade de interpretações ortodoxas dele.

Postas estas duas coisas de maneira muito clara, verifica-se então que a questão central das discussões com rad-trads e com modernistas simplesmente não existe, porque por definição a Fé da Igreja não pode ser modificada por um Concílio Ecumênico Legítimo. Isto nos permite montar o seguinte silogismo:

Um Concílio Ecumênico Legítimo não pode modificar a Fé da Igreja (maior);
O Concílio Vaticano II foi um Concílio Ecumênico Legítimo (menor);
Logo, o Concílio Vaticano II não pode ter modificado a Fé da Igreja (conclusão).

Outra conclusão diferente não cabe. Não faz o menor sentido discutir-se a ortodoxia do Concílio, porque tal problema é inexistente; por definição, o Concílio, se é Concílio Legítimo, é ortodoxo. Se não fosse ortodoxo, não seria Concílio Legítimo (seria algo do tipo do “latrocínio de Éfeso” ou outra coisa similar). Esta é a única maneira que eu conheço de se encarar catolicamente a crise atual. Tenho esperanças de que as declarações de mons. Fellay de que “reconhece teologicamente” o Vaticano II apontem para alguma coisa parecida com isso. Reconhecendo a radical impossibilidade de modificação da Fé da Igreja por um Concílio Ecumênico, pode-se enfim buscar a interpretação dos textos conciliares da única maneira em que é lícito interpretar-lhes: em consonância com todo o Magistério da Igreja, sem rupturas, sem “novidades”, sem heresias. Permita Deus que a FSSPX possa enveredar por este caminho, já tantas vezes apontado pelo Papa Bento XVI, única via que pode conduzir as negociações entre a Igreja e a Fraternidade a um bom termo.

Resposta ao artigo, por Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Que tal isto:

Um Concílio Ecumênico Legítimo não pode modificar a Fé da Igreja (maior);
Ora, o Vaticano II modificou a Fé da Igreja (menor);
Logo, o Vaticano II não foi um Concílio Ecumênico legítimo (conclusão).

Pois não se trata de começar pela violação de um a priori inexpugnável; pelo contrário, é o próprio princípio de não-contradição que nos impede de aderir aos ensinamentos do Vaticano II ao mesmo tempo que ao Magistério da Igreja. E, ao buscarmos as causas disso, chegamos à conclusão de que o Vaticano II não é Magistério Católico.

Suas interpretações engenhosas, caro Jorge, ou não salvam realmente o Vaticano II ou, quando o salvariam, não são, porém, as adotadas por Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI; aliás, estão em franca contradição com a interpretação autêntica dada por esses cabeças da Igreja Conciliar!

E tentar salvar o Vaticano II das próprias interpretações de quem o promulgou e chefia sua aplicação… eis algo que, isso sim, podemos descartar como, a priori, absurdo.

Outra coisa que cumpre conhecer é a “Teologia” dessa gente, suas obras teóricas. Assim se evita, por exemplo, essa discussão totalmente inepta entre aqueles dois sites Católicos leigos sobre se Bento XVI promove a crítica ao Vaticano II, e portanto não seria mais modernista (tese do ex-tradicionalista), ou se, pelo contrário, Bento XVI não promove a crítica ao Vaticano II, pois é absurdo um Católico criticar Concílios Ecumênicos (tese dos recém-convertidos do protestantismo); ambos corretos no que afirmam e errados no que negam: basta abrir os livros de Ratzinger para constatar que ele critica e reinterpreta todos os concílios, então, por que também não o faria com o Vaticano II?

Se na Igreja Conciliar se dialoga sobre a justificação com os protestantes pondo Trento entre parênteses, se se busca reinterpretar o primado ao arrepio do Concílio do Vaticano no diálogo com os greco-cismáticos, por que não permitir a crítica construtiva de certos aspectos do Vaticano II aos Católicos? Não se sai da lógica do ecumenismo.

Enfim, haveria talvez que provar muito disso, com citações em apoio, aliás bem fáceis de encontrar, mas por ora terá de bastar a só afirmação.

Oremus pro invicem.

Em JMJ,
Felipe Coelho



Resposta de Jorge Ferraz.

Caríssimo Felipe Coelho,
Salve Maria!

Eu tenho sincero apreço pela honestidade intelectual de quem leva as suas premissas às últimas conseqüências. De fato, para quem diz que o Concílio Vaticano II modificou a Fé da Igreja, a tua conclusão é a única possível. E, como já disse o Apóstolo São Paulo nas Escrituras Sagradas, se alguém anunciar uma Doutrina diferente daquela pregada pelos Apóstolos, anathema sit

Não comungo desta visão fatalista, e ela me parece sinceramente estranha ao espírito católico. Mas é louvável que tal posição tenha ao menos a coerência que muitas outras não tem - como se fosse possível, ao mesmo tempo, rejeitar o Vaticano II sem rejeitar os Papas que o fizeram e a ele aderem explicitamente.

É no entanto por reductio ad absurdum que rejeito esta tese, pois a conclusão a que ela chega é… injuriosa ao catolicismo. Não dá para conceber uma Igreja sem Hierarquia Legítima; se tal nonsense fosse possível, seria realmente desesperador, porque cada um, entregue somente às suas próprias forças, não poderia ir além dos limites de sua mediocridade. Os santos são santos porque ultrapassam-se a si próprios santificando-se na Igreja; não havendo Igreja Visível a Quem aderir, não vejo possibilidade de referencial para além da própria subjetividade…

Sim, oremus pro invicem, a fim de que a crise da Igreja passe depressa, e a fim de que a Virgem Santíssima, Janua Coeli, conduza-nos pela mão no meio deste Vale de Lágrimas (particularmente doloroso nos nossos dias) e, in hora mortis, alcance-nos do Seu Divino Filho a graça da perseverança final.

Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz



Resposta de Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Concordo plenamente que é inaceitável a um Católico a conclusão absurda de que a Santa Igreja teria perdido suas notas essenciais e permanentes de Apostolicidade (existência de Bispos Católicos com posse ordinária de Jurisdição) e Visibilidade.

Vou ainda além de você: afirmar essa perda seria afirmar uma verdadeira heresia! A qual repudio do fundo de minha alma.

Compreendo que você, talvez, tenha sido levado a essa suposição por causa de alguns comentários menos felizes de sedevacantistas militantes (coisa que não sou) em fóruns da internet, acerca do fundamento da Igreja contra o qual as portas do inferno não prevalecerão (fundamento este que, em Sã Teologia, não pode se reduzir apenas ao Símbolo da Fé!) ou acerca de um muito difundido excerto da história do arianismo escrita pelo Cardeal Newman (do qual este se retratou, após ser, em razão dele, acusado de heresia em Roma por, entre outros, o Cardeal Manning, ninguém menos que o líder ultramontano no Concílio do Vaticano!).

[Felizmente para os autores desses comentários desastrados, que quero considerar meus irmãos e mesmo amigos, não aplico a eles a interpretação leiga abstrusa que eles dão ao cânon 2200, segundo a qual qualquer tese herética proferida por um Católico faria presumir que este é herege pertinaz, o que, se fosse verdade (o que não é) me forçaria a ter de considerá-los hereges por causa desses comentários públicos infelizes, e não apenas bons e zelosos Católicos apenas um pouco mal-informados, como acredito que são...].

Contudo, caro Jorge, voltando ao assunto (e pedindo perdão pela irresistível digressão entre colchetes), não me parece de modo nenhum evidente que uma eventual vacância prolongada da Sé Apostólica implique no desaparecimento de qualquer uma dessas duas notas essenciais e permanentes, que professamos no Credo rezado na Missa, da Igreja Católica, Santa e Indefectível.

Num certo “Eclipse”, como profetizado por Nossa Senhora em La Salette e similarmente em Fátima, pode ser, mas jamais em seu desaparecimento!

Enfim, se você quiser especificar melhor essa sua objeção, eu agradeceria muito, mas como por ora você se limita a afirmá-la, restrinjo-me eu também, por ora, a negá-la veementemente, para esclarecer minha posição, que nada tem que ver com essa heresia!

Noto, em segundo lugar, que me parece não ter escrevido nada, no meu primeiro comentário, de especificamente sedevacantista: muitos tradicionalistas até anti-sedevacantistas consideram, também eles, que o “magistério conciliar” não é verdadeiro e legítimo Magistério (tese do Rev. Pe. Calderón, FSSPX, que o Prof. Nougué defende, se bem os compreendo). Não concordo que não seja lícita essa posição tradicionalista não-sedevacantista, pelo contrário, penso que há Católicos doutos e piedosos que a defendem com maestria!

Nesses assuntos, esforço-me por manter a indiferença inaciana quanto a quem está certo, nessa quaestio disputata sobre nossa situação misteriosíssima, de modo a não ceder a qualquer partidarismo, o que sempre acarreta em fautas contra a Caridade, não é mesmo?

Passando, assim, e para terminar, à virtude teologal da esperança, onde ela me parece realmente desnaturada é nessa atenção febril às notícias e nessa oscilação de humor constante que se lê por aí, causada pelos atos de Bento XVI, como se destes dependesse a verdade ou falsidade das promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que talvez revele também uma Fé vacilante desses nossos pobres irmãos. Pois não se esqueça, meu caro Jorge, do elogio da Sagrada Escritura (cf. Rom. IV, 18) ao “Contra spem in Spe” (Esperar [em Deus] contra toda esperança [humana])!

Um abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho



Resposta de Jorge Ferraz.

Caríssimo Felipe Coelho,
Salve Maria!

Tu tocaste exatamente no ponto: para mim, parece sim evidente que uma “vacância prolongada” de décadas ao longo das quais usurpadores estiveram no Trono de São Pedro implicaria na perda da Visibilidade da Igreja. Principalmente pelo fato de que há uma grande diferença entre uma vacância propriamente dita (quando não há Papa eleito) e uma usurpação do Trono Pontifício (quando supostamente há um anti-Papa, reconhecido pela esmagadora maioria da Igreja Universal).

Se fosse possível que a Igreja subsistisse com Papas que, a despeito de serem universalmente reconhecidos, fossem na verdade, ocultamente, falsos Papas, isto significaria na prática que ninguém poderia ter mais certeza sobre nada referente ao Magistério da Igreja, pois afinal a vacância poderia ter começado em qualquer ponto dos últimos dois mil anos de Cristianismo e durado até qualquer outro ponto, inclusive com “intervalos de não-vacância” ao longo da História, ao gosto do fiel. Isso é não só perder o referencial objetivo, como ainda negar a própria possibilidade de que tal referencial exista.

Quanto às revelações particulares, imagino igualmente que elas não possam ser interpretadas à revelia do Magistério da Igreja e conduzindo a conclusões desesperadoras como a que citei logo acima. E, se te entendi de maneira errônea me perdoe, mas o teu silogismo conduz inexoravelmente ao sedevacantismo, caso as premissas sejam levadas as últimas conseqüências, pois a pertinácia dos Papas na adesão às heresias conciliares configuraria heresia formal…

É exatamente por este motivo que considero a posição dos “tradicionalistas” defensores, ao mesmo tempo, da legitimidade (aliás sem efeitos práticos) dos Papas e da ilegitimidade do Magistério que eles exercem verdadeiramente incompreensível. E é por isso que considero o sedevacantismo uma posição mais coerente, embora, pelos motivos acima expostos, equivocada.

Continuemos em oração, a fim de que triunfe o Imaculado Coração da Virgem, a Esposa de Nosso Senhor seja exaltada, as almas sejam salvas e Deus seja glorificado.

Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz



Resposta de Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

O debate está extremamente interessante, mas vejo que não poderei continuá-lo tão cedo. Caso eu demore muito para voltar a ele, talvez lhe envie um e-mail em vez de continuar aqui, que lhe parece?

É raro encontrar quem saiba discutir sem apelar.

Por ora, deixo apenas duas indicações de leitura (haveria tanto o que comentar…!):

>> Sobre suas objeções quanto à visibilidade, há neste florilégio alguns teólogos que parecem dizer o contrário: http://www.cmri.org/02-answering-objections-sede.html
Argumento meramente extrínseco, sem dúvida; mostrar como isso pode ser é que é a questão…

>> Sobre a licitude e coerência da posição da FSSPX, está para sair um livro da editora Sétimo Selo, creio que traduzido pelo Prof. Nougué, expondo a interessantíssima tese do Rev. Pe. Calderón, que certamente lhe mostrará como é catolicamente defensável (e sem nenhuma “má vontade”) a posição do tradicionalismo não-sedevacantista (aliás, com graves objeções ao sedevacantismo! Quem sabe até me refutem e me forcem a mudar [ainda a estou estudando], veremos.)

Um abraço,
Em união de orações e sempre no amor da Santa Igreja,
Felipe Coelho



Resposta de Jorge Ferraz.

Caríssimo Felipe Coelho,
Salve Maria!

Obrigado pelas sugestões de leitura. Vou verificar o site; quanto ao livro, não deixe de me indicar por ocasião do seu lançamento.

Sobre o tempo que precisas permanecer distante do debate, não te incomodes com isso. Fique à vontade. Quanto ao retorno, sempre que alguém posta um comentário aqui no blog (nos posts que são de minha autoria), eu recebo um email com a íntegra do que foi postado, de modo que tu podes continuar por aqui ou mandar-me um email, como melhor te parecer. Não há o risco de que eu “não veja” o comentário por ser em um post antigo.

Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz



Resposta de Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Volto, depois de tanto tempo, para tratar da permanência da visibilidade e hierarquia da Santa Igreja depois de décadas de vacância da primeira Sé.

Perdoe-me o modo meio “talmúdico” de contestá-lo, isto é, por meio de longas citações a modo de comentário e refutação de afirmações suas, citadas em primeiro lugar. (É que para mim é mais prático, no momento, copiar e colar traduções de meus arquivos, do que fazer um longo texto, bem pesado em cada expressão, e com começo, meio e fim.)

Vamos então.

1) “Tu tocaste exatamente no ponto: para mim, parece sim evidente que uma ‘vacância prolongada’ de décadas ao longo das quais usurpadores estiveram no Trono de São Pedro implicaria na perda da Visibilidade da Igreja.” (Jorge Ferraz, http://januacoeli.wordpress.com/2009/02/02/o-problema-inexistente/#comment-5681 ).

Sobre a visibilidade, em geral e especialmente na situação atual, sed contra:

“…sabemos, ou pelo menos suspeitamos, que a profecia de Nossa Senhora em La Salette se cumpriu, que é de que a Igreja está em eclipse. Um eclipse é o obscurecimento de um corpo pela interposição de outro. Sabemos por diversas fontes que, em algum ponto de sua história, a Igreja será de fato obscurecida por uma grande fraude envolvendo a criação de uma ‘igreja’ fraudulenta concebida para enganar, se possível, até mesmo os Eleitos.

Os excertos seguintes são de um texto para seminários de um padre americano no entre-guerras. Rev. E. Sylvester Berry, D.D., The Church of Christ, An Apologetic and Dogmatic Treatise [A Igreja de Cristo, Um Tratado Apologético e Dogmático], Herder, St. Louis and London, 1927 & 1941:

“As profecias do Apocalipse mostram que Satanás imitará a Igreja de Cristo para enganar a humanidade; ele colocará uma igreja de Satanás em oposição à Igreja de Cristo. Anticristo assumirá o papel do Messias; o profeta dele atuará no papel de Papa, e haverá imitações dos Sacramentos da Igreja. Haverá também prodígios mentirosos em imitação dos milagres feitos na Igreja” (p. 119)

E “parece não haver razão pela qual uma falsa Igreja não possa se tornar universal, mesmo mais universal que a verdadeira, ao menos por um tempo.” (p.155)

E os próximos excertos são de The Divine Plan of The Church [O Plano Divino da Igreja], subintitulado: “Where Realised, and Where Not” [Onde Se Encontra, e Onde Não], de autoria do Rev. John MacLaughlin, Burns & Oates, London, 1901; capítulo VI, sobre a indefectibilidade, págs. 93-94:

“Concedemos, ademais, que pode ter havido ocasiões no passado (e tais intervalos podem ocorrer no futuro) quando, pela oposição de antipapas e uma variedade de circunstâncias adversas, foi difícil para os indivíduos por aquele momento determinar onde a verdadeira fonte de ensinamento autoritativo poderia ser encontrada. Isso, porém, não muda o estado da questão no mais mínimo que seja; a única verdadeira Igreja ainda estava em algum lugar do mundo do mesmo jeito, e em plena posse de todas as prerrogativas essenciais dela, ainda que, durante um momento contingente – por causas transitórias – ela possa não ter sido facilmente discernível ao menos observador. Assim como já houve tempos em que uma densa fumaça ou neblina tornou impossível ao observador ordinário dizer o local exato que o sol ocupava no céu, muito embora todos soubessem que ele estava lá em algum lugar, e soubessem também que ele logo voltaria a tornar a localização exata de sua presença visível para todos, e que, assim que a neblina se dissipasse, os raios dele viriam direto para a terra novamente, e todos veriam que ele permanecia identicamente o mesmo astro luminoso que antes brilhava.”

Do melhor comentário ao Código de Direito Canônico, o de Wernz-Vidal, aprendemos que “a visibilidade da Igreja consiste no ato de que ela possui tais sinais e notas identificadoras que, quando diligência moral é empregada, Ela pode ser reconhecida e discernida, especialmente da parte dos legítimos oficiais dela.”

Assim, devemos eliminar de nossas mentes algumas noções falsas:

1. A Igreja precisa sempre ser óbvia. Não existe essa doutrina. A doutrina é que a Igreja será sempre visível, que significa que quando diligência moral é empregada, ela pode ser identificada.

2. A Igreja precisa sempre ser o corpo religioso mais universal. Não existe essa doutrina. A Igreja é universal, mas alguma outra falsa igreja pode por um tempo ser mais universal, em extensão.”

(John F. LANE, Post de 9 de junho de 2007, em: http://strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?t=419 ; trad. F. Coelho).

2) “Principalmente pelo fato de que há uma grande diferença entre uma vacância propriamente dita (quando não há Papa eleito) e uma usurpação do Trono Pontifício (quando supostamente há um anti-Papa, reconhecido pela esmagadora maioria da Igreja Universal).” (Jorge Ferraz, http://januacoeli.wordpress.com/2009/02/02/o-problema-inexistente/#comment-5681 ).

Distinguo: universalmente reconhecidos pacificamente – concedo; universalmente reconhecidos de modo violento, em grande parte mais nominal que real, como é o caso dos “papas conciliares” – nego.

3) “É no entanto por reductio ad absurdum que rejeito esta tese, pois a conclusão a que ela chega é… injuriosa ao catolicismo. Não dá para conceber uma Igreja sem Hierarquia Legítima” (Jorge Ferraz, http://januacoeli.wordpress.com/2009/02/02/o-problema-inexistente/#comment-5635 ).

Um bom resumo da minha posição quanto a isso está na citação que segue, se bem que cada frase dela pediria um longo comentário…

“Esse tema da jurisdição episcopal é muito amplo, muito difícil e muito sério, e eu sinceramente não acho que quero entrar nele e em todas as suas ramificações neste fórum neste momento.

Mas penso que eu deveria dizer que eu não acredito nessa noção de jurisdição episcopal suprida por Cristo a quem quer que tenha ordens episcopais válidas e professe a Fé Católica em tempo de crise. Nem acredito que os bispos tradicionais emergenciais tenham algum poder a mais do que eu de eleger um papa, ou seja, nenhum poder. Nem tampouco acredito que seja possível que todos os bispos católicos sobreviventes nomeados validamente deixem de existir, e esse ponto é considerado dogmático por todos os teólogos de que tenho conhecimento que advertem para esse fato.

Onde, porém, existe um bispo católico sobrevivente designado devidamente eu não sei, nem exige a Fé Católica que eu o saiba. O profeta Elias acreditava que ele era o último adorador sobrevivente do verdadeiro Deus, mas Deus disse a ele: “Reservei-me sete mil homens que não dobraram o joelho a Baal”. Uma vez que tenhamos inculcado em nossa cabeça que não temos de salvar a Igreja, mas de ser salvos pela Igreja, o mistério deixa de perturbar. A crise acabará, e Deus porá um fim nela, por meio de homens que serão ou designados regularmente pela Sua Igreja ou então farão milagres para dar testemunho de sua missão extraordinária.

Os Papas algumas vezes deram a bispos o poder de transmitir não somente as ordens episcopais mas também o mandato apostólico aos candidatos da escolha destes [bispos] em terras perseguidas, e isso pode ser parte da solução. Mas não sabemos de nenhum detalhe. Não sabemos que poderes foram dados a quem na China, embora pareça muitíssimo provável que alguns poderes extraordinários tenham sido concedidos a alguém para consagrações episcopais. Parece extremamente improvável que o poder especial não-especificado delegado ao Arcebispo Thuc pelo Papa Pio XI (e não XII) se referisse a consagrar bispos a qualquer momento e em qualquer lugar. Ele certamente jamais alegou isso. Mas alguém em algum lugar pode ainda possuir tais poderes derivados de um verdadeiro papa.

Estamos no meio de uma crise e um mistério e Deus não nos pediu que resolvêssemos o mistério. Ele nos pede que mantenhamos a Fé. Que Ele nos conceda a todos a graça para tanto.”

(J.S. DALY, Post de 11 de junho de 2006, em: http://www.strobertbellarmine.net/forums/papal-elections-in-extraordinary-circumstances-p952.html#p952 ; trad. F. Coelho).

Incidentalmente, há um site que pretende listar toda a hierarquia da Igreja Católica no qual é possível vê-la por ordem cronológica de consagração episcopal, e há mais de uma centena de Bispos consagrados antes de 1965, por exemplo, sendo absurdo presumir que todos apostataram.

Enfim, espero que você esteja aliviado vendo que minha posição é bem pouco atraente a quem a considere friamente, de modo que nosso debate fica assim bem mais fácil de ser levado adiante, concorda?

É que penso ter encontrado o erro fundamental tanto seu como dos demais que compartilham de sua posição (aqui no Brasil, se não me engano, nos fóruns onde se discute estas coisas e que também escrevem para o site VS, Rui Machado e Thiago Moraes), o qual consiste num princípio de interpretação de textos magisteriais, mas deixo isso para daqui a uns dias, se Deus o permitir.

Um abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho



Resposta de Jorge Ferraz.

Caríssimo Felipe, Salve Maria!

Perdôo-te o talmudismo nas respostas, inclusive com uma certa dose de interesse, porque também preciso de perdão pela tardança em responder-te as mais das vezes. Não tenho em meu favor os “meus arquivos” para ajudar-me nas respostas, sendo a mim necessário sempre escrevê-las de uma ponta a outra, nos horários vagos, quer provocando com isso demoras que, a despeito de justificáveis, são indesejáveis, quer sacrificando a qualidade dos escritos, que nunca podem passar por revisões. Mas, enfim, continuemos fazendo o que dá para ser feito.

Aliás, gostaria de pedir que tu fizeste uma revisão nos teus textos, porque recebi-os duplicados (ou triplicados), e talvez eu não tenha tido a devida atenção na hora de deixar somente a versão “mais completa”. Havendo qualquer problema, peço que me avises.

Sobre os três pontos, de maneira tão sucinta quanto me é possível:

1) Sobre a visibilidade da Igreja:
Não vejo como, dos excertos citados, se pode inferir que a Igreja de Satanás seria colocada no lugar da Igreja de Cristo com conseqüente desaparecimento desta (volto já a falar em “desaparecimento”). A primeira citação (que começa com “sabemos, ou pelo menos suspeitamos (…)” e que eu não sei de quem é), data venia, rejeito, pois não me incluo neste “sabemos” que o autor expõe. A profecia de La Salette, além de ser Revelação Privada (e, por conseguinte, não ser necessária à Salvação) fala, além do clássico “Roma perderá a Fé”, coisas como montanhas sendo engolidas e luas avermelhadas, o que não me consta que tenha acontecido; portanto, não vejo segurança nem prudência em adotar, à revelia da Igreja, uma interpretação literal do “Roma é a sede do Anticristo” que consta numa profecia cujos demais aspectos claramente ainda não se cumpriram.

Os dois excertos seguintes falam, respectivamente, da Igreja de Satanás colocada no lugar da verdadeira e do, digamos, “obscurecimento” da Igreja. Quanto ao primeiro, como disse acima, não me parece ser possível inferir dela o “desaparecimento” da Igreja Verdadeira; quanto ao segundo (e aos dois pontos por ti sistematizados), sobre o “obscurecimento”, concordo com eles, mas a situação “pintada” pelos tradicionalistas de hoje em dia (sedevacantistas ou “sedeplenistas”) simplesmente não se encaixa nem nessa definição!

1. quando diligência moral é empregada, ela pode ser identificada: para se encontrar uma Igreja cuja hierarquia visível é… invisível, e não se sabe onde ela está, e uma falsa hierarquia se apresenta em seu lugar, não é necessário somente “diligência moral”: é essencial uma inspiração de Deus, um milagre, alguma coisa verdadeiramente extraordinária. Esta “visibilidade esotérica”, apenas para os iniciados, não se pode considerar como sendo um mero “obscurecimento”.

2. alguma outra falsa igreja pode por um tempo ser mais universal: concorda-se, mas a extensão da “Igreja a-hierárquica”, formada pelas pessoas que não sabem (e nem querem saber) onde está a Hierarquia verdadeira, unidas por algum vínculo que, por definição, exclui a submissão hierárquica, tampouco se pode dizer que seja “universal”: assim sendo, a universalidade seria também uma nota da “igreja invisível” protestante, por exemplo.

2) Sobre o reconhecimento do Papa:

Quanto a reconhecidos de modo violento, em grande parte mais nominal que real, como é o caso dos “papas conciliares”, bom, se, por “mais nominal que real”, tu estiveres te referindo à desobediência ao Papa, eu concedo; mas desde quando isso é motivo para que se impugne uma eleição pontifícia?!

3) Sobre a Igreja a-Hierárquica:

Quanto à frase: [o]nde, porém, existe um bispo católico sobrevivente designado devidamente eu não sei, nem exige a Fé Católica que eu o saiba, isso é uma meia-verdade. Para a comunhão de Fé, realmente, não é necessário saber onde está a hierarquia, mas a Igreja é uma comunhão de Fé, Sacramentos e Governo - afinal, é o tríplice múnus da Igreja - e, por conseguinte, não dá para ter “comunhão de Governo” rejeitando expressamente as autoridades eclesiásticas que se apresentam como tais e sem apontar onde estão as verdadeiras; e, concedendo que tal emaranhado intelectual fosse possível, ele exigiria um tão grande esforço para ser até mesmo justificado a posteriori que certamente o acesso a ele estaria muito distante da simples “diligência moral” exigida para que se encontre a Igreja de Nosso Senhor - comprometendo, assim, a visibilidade da Igreja Católica, mesmo nos moldes que tu apresentaste.

Enfim! Quanto à atractibilidade das tuas teses, em momento oportuno respondo-te no outro post. Mas fiquei curioso sobre qual seria o meu “erro fundamental”. Podes dizer-mo?

Abraços,
Jorge

P.S.: Só agora li o teu comment recém-publicado. Quanto à ausência da Hierarquia Legítima, sim, as tuas teses não implicam nela; já quanto à visibilidade da Igreja (e mesmo quanto à comunhão com Ela), ao contrário, de verdade não me parece possível conciliá-la(s) com as teses sedevacantistas.



Resposta de Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Sem dúvida, o apostolado admirável que você vem exercendo escusa toda tardança em responder a essas discussões complicadas. Não se preocupe com isso.

Passo agora a comentar sua resposta, pela qual lhe agradeço muito. Tratarei apenas do primeiro ponto, a visibilidade da Igreja, que me parece o principal, deixando os outros dois para um comentário futuro, se Deus quiser.

1. Antes, porém, noto que você me faz uma concessão decisiva:

“Quanto à ausência da Hierarquia Legítima, sim, as tuas teses [sedevacantistas] não implicam nela” ( Jorge Ferraz).

Sendo assim, não tem cabimento você falar depois em “desaparecimento” da Igreja ou em “Igreja a-hierárquica” supostamente implicados pelo sedevacantismo: dado que ainda há hierarquia – como é o caso enquanto houver nem que sejam um ou dois Bispos, verdadeiros sucessores dos Apóstolos, no pleno sentido do termo –, dado que ainda há hierarquia, dizia eu, e você mo concedeu, então a Santa Igreja continua viva e na posse de todo o necessário para se restaurar a seu antigo esplendor: não desapareceu. Nem desaparecerá.

Encontra-se apenas obscurecida, “eclipsada” (N. Sa. de La Salette e de Fátima) por uma falsa hierarquia (a Igreja Conciliar), temporariamente, pois temporário é todo eclipse.

2. Você, porém, insiste em falar em “desaparecimento” e “Igreja a-hierárquica”, o que me causou uma certa perplexidade, tanto em vista da sua concessão que acabo de citar, quanto pelo fato de que jamais usei nem usaria esses termos, que não refletem meu pensamento, e que inclusive implicariam em flagrante heresia.

Relendo sua resposta, porém, parece-me que descobri o problema: consiste este em você não distinguir entre encontrar a verdadeira Igreja e encontrar os verdadeiros hierarcas da Igreja, confusão esta que o leva, então, a falar de “desaparecimento” da Igreja e de “Igreja a-hierárquica” durante uma vacância prolongada, e que o vejo expressar, especialmente, neste trecho:

“para se encontrar uma Igreja cuja hierarquia visível é… invisível, e não se sabe onde ela está, e uma falsa hierarquia se apresenta em seu lugar, não é necessário somente ‘diligência moral’: é essencial uma inspiração de Deus, um milagre, alguma coisa verdadeiramente extraordinária. Esta ‘visibilidade esotérica’, apenas para os iniciados, não se pode considerar como sendo um mero ‘obscurecimento’.” ( Jorge Ferraz).

Não um mero obscurecimento, a seu ver, logo um verdadeiro “desaparecimento”, e portanto uma “Igreja a-hierárquica”, é isso?

Acontece que aquela distinção que mencionei é fundamental, pois quando falamos da visibilidade da Igreja, estamos falando especialmente do fato de Ela sempre poder ser encontrada por quem quer que procure, com a devida diligência moral, localizar onde está a verdadeira Religião, a única querida por Deus.

Para reforçar essa distinção crucial, trago alguns argumentos a seguir. Se a você, porém, tiver bastado apenas que a distinção fosse feita, para lhe fazer ver que uma vacância prolongada – e o consequente falecimento da maior parte da hierarquia – não implicam, tampouco, na perda de visibilidade da Igreja, por favor, não hesite em saltar direto para o item 3 – Conclusão.

(a) Prova pela razão iluminada pela Fé

Num dos melhores manuais de apologética que há, lê-se:

“A IGREJA ROMANA É UNA NO SEU MINISTÉRIO. – É fácil de ver e de reconhecer-se este atributo da Igreja. A unidade de fé conserva-se nela por meio de um ministério único, invariável e a todos patente; e o influxo deste ministério, juntamente suave e forte, deriva de Roma, centro do governo, e transmite-se por intermédio dos bispos e dos pastores, subordinados seus, a todas as regiões do globo, e alcança até ao último dos membros, que compõem a Igreja.”
(Pe. W. DEVIVIER, S.J., Cours d’Apologétique Chrétienne, ou Exposition Raisonnée des Fondements de la Foi, versão portuguesa pelo Pe. Manoel Martins, S.J., Curso de Apologetica Christã. Exposição raciocinada dos fundamentos da Fé, 3.ª ed., precedida de Carta de Recomendação do Papa São Pio X, quando Patriarca de Veneza, à tradução italiana desta obra, São Paulo: Melhoramentos, 1925, p. 275).

Ora, para sermos atingidos pelo “influxo deste ministério”, o qual “transmite-se … por todas as regiões do globo”, não é estritamente necessário, sobretudo durante uma crise como a nossa, que saibamos dizer onde estão os Bispos; muitas pessoas são convertidas por sacerdotes ou até mesmo por leigos e, por meio destes, têm acesso à comunicação desse influxo do ministério da Igreja, no que toca à doutrina e aos sacramentos ao menos em sua maioria; isso porque, entre a turvação ou secura da fonte e o reflexo disso no seu mais longínquo manancial, vai um longo e demorado percurso, como é evidente; ora, seu argumento parece implicar que, sem acesso direto e atual à fonte episcopal, não se poderia receber o influxo que outrora dela partiu, ou seja encontrar a Igreja e converter-se a Ela e manter-se n’Ela, mas isso é, como se vê, ilógico (impõe a necessidade de sincronia onde basta a diacronia), sem contar que é também contradito facilmente pela experiência.

(Ao tratar do segundo ponto, trarei ainda uma citação famosa que corroborará perfeitamente isso, de Santo Antonino de Lisboa sobre o “grande cisma do Ocidente”, que é, a meu ver, o mais próximo de um precedente para nossa crise inaudita).

(b) Prova pela história da Igreja

Aliás, o mesmo Devivier chega a dizer o que segue, sobre o tempo do “grande cisma”:

“Ficou, por conseguinte, a Igreja entre os anos 1378 e 1417 sem unidade de governo. É verdade que durante esse tempo faltou à Igreja romana a unidade material de governo; mas a formal ou essencial nunca cessou de existir.” (DEVIVIER, op. cit., p. 276).

Assim sendo, parece-me que fica amplamente justificada a propriedade da citação que eu já fizera, em minha resposta anterior a você (vide supra):

“Do melhor comentário ao Código de Direito Canônico, o de Wernz-Vidal, aprendemos que ‘a visibilidade da Igreja consite no fato de que ela possui tais sinais e notas identificadoras que, quando diligência moral é empregada, Ela pode ser reconhecida e discernida, especialmente da parte dos legítimos oficiais dela.’” (F. X. WERNZ, S.J., e P. VIDAL, S.J.,Ius Canonicum, apud John LANE, trad. F. Coelho).

O que continua plenamente aplicável aos dias de hoje, pelas razões mencionadas, mesmo após uma ruína tão grande da Igreja e uma tamanha defecção da hierarquia.

Afinal, continuamos sendo ensinados pela Igreja e sendo nutridos por Seus sacramentos, pelos canais que vimos acima; o que nos falta são, apenas, momentaneamente, as decisões autorizadas da Igreja, mas a continuidade ininterrupta delas não foi prometida; pelo contrário, sua ausência temporária é justamente o cerne de nossa crise e a essência do castigo que vivemos hoje, o que me parece estar aos olhos de todos, quer sustentem termos hoje sede plena ou vacante.

(c) Previsão pela Santíssima Virgem

A propósito, veja que impressionante, meu caro Jorge, ao mesmo tempo que cogente, esta declaração feita pela Vidente de Fátima em sua última entrevista pública, em 1958, antes de ser brindada, por causa de suas declarações, com o isolamento e censura impostos pelo Vaticano, que só terminaram com sua morte, após a qual ainda teve seus aposentos e papéis vasculhados pela Congregação para a Doutrina da Fé, conforme noticiado na ocasião.

“Padre, a Santíssima Virgem está muito triste, porque ninguém faz caso de sua Mensagem, nem os bons nem os maus. Os bons, porque prosseguem seu caminho de bondade, mas sem fazer caso dessa Mensagem. Os maus, porque, não vendo o castigo de Deus atualmente sobre eles por causa de seus pecados, prosseguem também em seu caminho de maldade, sem fazer caso dessa Mensagem. Porém, creia-me, Padre, Deus vai castigar o mundo, e vai castigá-lo de uma maneira tremenda. O castigo do Céu é iminente. O que falta, Padre, para 1960, e o que acontecerá então? Será uma coisa muito triste para todos; e não será uma coisa alegre (…) Padre, o demônio está desferindo uma batalha decisiva contra a Virgem; e, como sabe o que é que mais ofende a Deus e que, em menos tempo, lhe fará ganhar o maior número de almas, está tratando de ganhar as almas consagradas a Deus, já que, dessa maneira, também deixa o campo das almas desamparado e mais facilmente apodera-se delas. (…) Padre, não esperemos que venha de Roma uma convocação à penitência, da parte do Santo Padre, para o mundo todo; nem tampouco esperemos que venha da parte dos Senhores Bispos para cada uma de suas dioceses; nem sequer mesmo da parte das Congregações Religiosas. Não; Nosso Senhor já empregou muitas vezes esses meios, e o mundo não fez caso deles. Por isso, agora, que cada um de nós comece por si mesmo sua reforma espiritual; que tem de salvar não só a sua alma, mas salvar também todas as almas que Deus pôs no seu caminho. (…) De tal maneira que agora não existe problema, por mais difícil que seja, tanto temporal como, sobretudo, espiritual… que não possamos resolver agora rezando o Santo Rosário. Com o Santo Rosário nos salvaremos, nos santificaremos, consolaremos Nosso Senhor e obteremos a salvação de muitas almas.”
(Irmã LÚCIA, Entrevista ao Pe. Augustín Fuentes em 26 de dezembro de 1957, que pôde visitá-la no Carmelo por permissão de Pio XII, apud Pe. Joaquín María ALONSO, C.M.F., arquivista oficial de Fátima, La verdad sobre el Secreto de Fátima, Fátima sin mitos, Madrid: Cor Mariae Centrum, 1976, pp. 103-106; reproduzida pelo site StatVeritas.com.ar, tradução e sublinhado nossos).

(Deixo passar, por ora, seu minimalismo na consideração do peso das Aparições recentes da Santíssima Virgem para a nossa vida da Fé, pois nos desviaria do assunto em pauta, se bem que haveria muito o que falar para opor à rapidez com que você diminui a relevância de tão tarimbadas mensagens celestes).

(d) Prova pelo Evangelho

Também a Revelação vai contra sua inferência, caro Jorge, de que haveria uma necessidade de os Bispos serem facilmente encontráveis para que a visibilidade da Igreja fosse preservada.

Afinal, no início havia doze Bispos somente, e a Igreja era já visível, sendo que em nenhum lugar está dito que não possam voltar a ser doze em algum momento da história, ou menos até que doze, por que não?

Assim também, a Igreja era visível na manhã de Pentecostes, enquanto toda a sua hierarquia descia silenciosamente a escada do Cenáculo, para o seu primeiro ato de apostolado. Logo, ainda que os sedevacantistas estejam certos acerca da extensão da crise atual, a Igreja permanece visível também hoje.

Por fim, se Nosso Senhor indica que a Fé será, com toda a probabilidade, quase que extinta quando do Seu retorno – “Quando vier o Filho do Homem, julgais vós que encontrará Fé sobre a terra?” (Luc. XVIII, 8; trad. Matos Soares) –, é evidente que Ele não passa, aí, a impressão de que uma vasta hierarquia, em ótimo estado, ensinando ativamente Suas doutrinas, estará a postos para recebê-Lo quando Ele voltar!

(e) Prova pelos Teólogos

Para concluir, cito alguns teólogos que, longe de verem a incompatibilidade para a qual você acena, apontam para o exato oposto. Comecemos pelo Pe. Emílio Dorsch:

“A Igreja, portanto, é uma sociedade essencialmente monárquica. Isso, porém, não faz com que a Igreja não possa, por um tempo breve depois da morte de um Papa, ou mesmo por muitos anos, ficar destituída de sua cabeça [vel etiam per plures annos capite suo destituta manet]. A forma monárquica da Igreja também permanece intacta nesse estado…, mas, então, de um modo diferente, isto é, permanece incompleta e a ser completada. A ordenação do todo à submissão ao Primaz dela está presente, muito embora a submissão em ato não esteja… Por essa razão, é corretamente que se afirma que a Sé de Roma permanece depois que a pessoa que nela se assenta morre, pois a Sé de Roma consiste essencialmente nas prerrogativas do Primaz. Essas prerrogativas são um elemento essencial e necessário da Igreja. Com elas, ademais, o Primado continua nesse ínterim, ao menos moralmente. A perene presença física da pessoa do cabeça, todavia, [perennitas autem physica personis principis] não é da mesma estrita necessidade.”
(Aemil DORSCH, S.J., Institutiones Theologiae Fundamentalis, vol. II: de Ecclesia Christi, Innsbruck: Rauch, 1928, pp. 196-197, trad. F.Coelho, baseada na tradução em inglês feita pelo Rev. Anthony CEKADA, (Sedevacantism and Mr. Ferrara’s Cardboard Pope. Recognizing the pope — but “for display purposes only” [O sedevacantismo e o papa-de-papelão do Sr. Ferrara: reconhecendo o Papa, mas “apenas para fins de mostruário”], TraditionalMass.org, agosto de 2005).

Voltando àquele episódio precursor de nossos tempos que foi o “grande cisma do Ocidente”, eis o parecer de outro teólogo famoso, o Pe. Zapelena, segundo o resumo que dele faz o Rev. Pe. Ricossa, discípulo do venerando Frei Guérard de Lauriers, O.P..

“Alguns julgaram que todos e cada um dos três papas [durante o grande cisma do Ocidente] foram papas objetivamente dúbios e, portanto, não foram papas de modo nenhum [conforme o adágio: papa dubius, papa nullus (N.doT.)]; neste caso, a Cristandade não teria ficado nem com três papas (o que é impossível) nem com um papa e dois antipapas, mas sim com um longuíssimo período de sede vacante. Ao mesmo tempo que defende a legitimidade da obediência romana [i.e., vs. os pretendentes de Avinhon (N.doT.)], o teólogo jesuíta Zapelena não considera impossível a hipótese de que, sendo os três pretendentes ao Pontificado papas dúbios, teriam todos permanecido papas nulos, puramente putativos. Nesse caso, na Igreja teriam estado ausentes, em ato, a jurisdição e o magistério… e também os eleitores legítimos, de um ponto de vista puramente legal (todos os Cardeais e Bispos residenciais eram igualmente dúbios!)… Zapelena contenta-se em explicar como, numa tal hipótese, Cristo teria suprido a jurisdição tanto quanto necessário (para a eleição), em favor daqueles que detivessem ao menos um título colorado (= aparente), para que participassem naquele conclave atípico que acabou elegendo o Papa Martinho V (T. ZAPELENA S.J., De Ecclesia Christi, pars altera apologetico-dogmatica, Roma, Università Gregoriana, 1955, p. 115). A indefectibilidade e a visibilidade da Igreja não teriam sido comprometidas nem mesmo numa tal eventualidade, pois ainda permanecia possível proceder com uma eleição válida de um Papa.”
(Pe. Francesco RICOSSA, em: Sodalitium, ano XIX, n.º 2, setembro de 2003, n.º 56, p. 25, trad. F. Coelho).

Mais surpreendente ainda, o parecer do Rev. Pe. O’Reilly, sobre o qual, remeto ao artigo em que li, pela primeira vez, entre outras citações dele, as que traduzo adiante: cf. John DALY, Fr. O’Reilly On The Idea Of A Long-Term Vacancy Of The Holy See [A Ideia de uma Vacância Prolongada da Santa Sé, Segundo o Pe. O’Reilly], rev. e edit. por John Lane, outubro de 1999.

“O Concílio [de Constança, que pôs um fim no ‘Grande Cisma do Ocidente’ (N.do.T.)] reuniu-se em 1914… Podemos aqui fazer uma pausa para investigar o que se deve dizer da posição, naquele tempo, dos três pretendentes, e dos direitos deles com relação ao Papado. Em primeiro lugar, houve durante todo esse tempo, desde a morte de Gregório XI em 1379, um Papa – com exceção, é claro, dos intervalos entre as mortes e as eleições para preencher as vacâncias destarte criadas. Houve, digo eu, em todo momento um Papa, realmente investido com a dignidade de Vigário de Cristo e Cabeça da Igreja, não importa quais fossem as opiniões que pudessem existir entre muitos quanto a se ele era o genuíno; não que um interregno cobrindo todo esse período [i.e. 1378-1414, portanto 36 anos (N.doT.)] teria sido impossível ou inconsistente com as promessas de Cristo, pois tal não é de modo nenhum manifesto, mas que, na realidade, não houve um tal interregno.”
(Pe. Edmund James O’REILLY, S.J., The Relations of the Church to Society – Theological Essays [As Relações da Igreja com a Sociedade – Ensaios Teológicos], Londres: J. Hodges, 1882, p. 283; trad. F. Coelho).

“Já tinha havido antipapas antes, de tempos em tempos, mas nunca com tal continuidade, nem jamais com tal obscuridade quanto a quem fosse o legítimo Pontífice, nem jamais com tantos seguidores.” ( Ibid., p. 287-288).

“O grande cisma do Ocidente sugere-me uma reflexão que eu tomo a liberdade de expressar aqui. Não tivesse esse cisma ocorrido, a hipótese de uma coisa dessas acontecer pareceria a muitos quimérica. Diriam eles que não poderia ser, que Deus não permitiria que a Igreja chegasse a uma situação tão lastimável. Heresias podem brotar, disseminar-se e durar dolorosamente muito, pela culpa e para a perdição de seus autores e fomentadores, e também para grande aflição dos fiéis, aumentada pela perseguição de fato nos muitos locais dominados pelos hereges. Que os Católicos ficassem divididos acerca da questão de quem é o Pontífice, porém, que a verdadeira Igreja permanecesse entre trinta e quarenta anos sem uma Cabeça plenamente consolidada [thoroughly ascertained], e representativa de Cristo na terra, isso não poderia ser. E, no entanto, foi; e não temos garantia de que não acontecerá novamente, embora possamos esperar fervorosamente que não aconteça. O que eu inferiria é que não devemos nos apressar em nos pronunciarmos sobre o que é que Deus pode permitir. Sabemos com absoluta certeza que Ele cumprirá Suas promessas; não permitirá que nada aconteça que destoe delas; que Ele sustentará Sua Igreja e a capacitará a triunfar de todos os inimigos e dificuldades; que Ele dará a cada um dos fiéis aquelas graças necessárias para que cada um sirva a Ele e obtenha a salvação, assim como Ele fez durante o grande cisma que estamos considerando, e em todos os sofrimentos e provações que a Igreja atravessou desde o início. Também podemos confiar que Ele fará muito mais do que Ele Se comprometeu a fazer por Suas promessas. Podemos nutrir a expectativa, com probabilidade que alegra, de sermos isentos no futuro de algumas das tribulações e infortúnios que se nos abateram no passado. Mas nós, ou nossos sucessores nas futuras gerações de cristãos, talvez veremos males mais estranhos do que os já experimentados, mesmo antes da aproximação imediata daquela grande recapitulação de todas as coisas na terra que precederá o dia do juízo. Não estou me fazendo passar por profeta, nem pretendendo ver prodígios de mau agouro, dos quais não tenho qualquer conhecimento. Tudo o que quero transmitir é que contingências relativas à Igreja, não excluídas pelas promessas divinas, não podem ser consideradas como praticamente impossíveis apenas porque elas seriam terríveis e aflitivas num grau altíssimo.”
(Ibid., p. 287-288).

Impressionante, sim?

Aliás, este final da citação parecer opor-se também àquelas suas afirmações, caro Jorge, feitas nos primeiros comentários deste tópico, a propósito de que de que o sedevacantismo seria demasiado “desesperante”, às quais, de início, me limitei a opor o bíblico “contra spem in Spe”, está lembrado?

3. Conclusão:

Creio ter demonstrado à saciedade que, mesmo estando correta a solução sedevacantista para o mistério da crise atual, não é somente a Hierarquia no pleno sentido do termo que permanece existente (como você me concedeu – v. item 1), mas também a visibilidade da Igreja não fica por isso comprometida (item 2), ficando assim provado que o sedevacantismo não leva nem à heresia de negar a perenidade da Hierarquia, nem à heresia de negar a perenidade da visibilidade da Igreja.

Alguma objeção, ou você pode me conceder também este ponto, caríssimo Jorge?

Isso me permitiria passar aos itens 2.º e, especialmente, 3.º de sua resposta, se bem que deste último me pareça mais apropriado tratar no tópico em que discutíamos a questão do cisma, no qual, depois de eu ter colado aquela minha tradução apressada do artigo “Chassons le schismatiques!”, você (ainda?) não fez qualquer comentário.

Pois na hipótese de eu ser bem-sucedido nessa espécie de “preâmbulo” (impugnação das acusações de cisma e heresia dirigidas à posição tradicionalista em geral e, mais especificamente, também e a fortiori à sua variante sedevacantista), isso evidenciaria que nosso diálogo não é “ecumênico”, caro Jorge, mas, sim, uma quaestio disputata entre Católicos, de modo que ficaria bem mais fácil, assim, passarmos às questões candentes do Vaticano II e de Bento XVI, bem como do único método correto de interpretação das doutrinas de ambos (aqui o erro capital, a meu ver, ao qual me referi, tanto seu como de muitos outros que mais ou menos compartilham de sua posição: os princípios da sadia hermenêutica, tanto em geral, como dos documentos magisteriais em particular), questões estas que penso serem de interesse imensamente maior que estas minhas longas elucubrações sedevacantistas, que lhe parece?

Um abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho





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Artigo Nº 2 – O problema inexistente, por Jorge Ferraz

João Paulo II já disse em 1982 que a heresia se espalhou abundantemente dentro da Igreja.
[Dom Fellay, in Fratres in Unum]

Este texto, da mais recente entrevista do superior geral da FSSPX, aponta uma dolorosa ferida dos nossos tempos modernos: a heresia abundantemente espalhada dentro da Igreja! Não sei - é uma pena! - qual é o pronunciamento original do Papa João Paulo II sobre o assunto; mas sei que é na Ecclesia in Europa que ele fala sobre “apostasia silenciosa” (n. 9). A idéia de fundo é a mesma: refere-se à crise do mundo moderno, à crise do homem, à crise da Igreja.

Falar em “crise da Igreja” exige um grande esforço de precisão de termos. A rigor, a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, é Santa e Santificante, indefectível e, por conseguinte, não é passível de “crises”. Ao se falar em “crise da Igreja”, está-se falando não de um (aliás impossível) defeito da Esposa sem ruga e sem mancha de Nosso Senhor, e sim da, digamos, discrepância entre o que ensina a Igreja e o que crêem (ou fazem) os católicos. A Igreja segue resplandecente a despeito dos pecados dos Seus filhos; no entanto, quando os católicos não agem como deveriam, tudo vai mal, porque os seus pecados acabam por, num certo sentido, impedir que a Igreja seja encontrada tal como Ela é. Os maus católicos não “mancham” a Igreja, mas de certo modo “escondem” a Igreja por debaixo de suas falhas.

O assunto é particularmente grave quando se fala em heresia, porque nós sabemos que ela destrói a Fé e, sem Fé, é impossível agradar a Deus. No estado de heresia generalizada no qual nos encontramos nos nossos dias, é importante (1) entendermos o que isso significa, (2) quais as conseqüências disso e (3) o que pode ser feito para vencer a crise.

À luz do que foi dito acima sobre a Igreja Indefectivelmente Santa e os pecados dos membros da Igreja, a única maneira na qual julgo possível entender a heresia abundamentemente espalhada dentro da Igreja é, primeiro, por meio de uma metonímia, verdadeira sem dúvidas, mas que é uma figura de linguagem e não uma sentença escolástica, onde a Igreja é tomada pelos Seus membros (não é possível haver heresia na Igreja, propriamente, e sim nos membros da Igreja) e, segundo, considerando heresia material e não formal. É possível - e, aliás, é a minha opinião sobre a situação atual - que uma grande parte dos católicos esteja em heresia material, graças à confusão doutrinária reinante nos nossos dias.

“Matéria” e “Forma” são conceitos da filosofia escolástica relativamente simples, mas que são muito confundidos hoje em dia porque o sentido corrente destes termos é o inverso daquele que o Aquinate estabeleceu. “Forma” não é o formato, não é o exterior, e sim - ao contrário - o “interior”, aquilo que faz uma coisa ser o que ele é e não outra coisa diferente; por exemplo, ser formalmente católico é ser verdadeira e propriamente católico, enquanto que o ser materialmente é só - digamos - “aparentar” sê-lo. Hoje em dia, para a maior parte das pessoas, um “católico formal” seria justamente alguém que é católico só exteriormente…

Um herege material católico que profere uma heresia material [p.s.: favor ler estes textos trazidos pelo Felipe Coelho nos comentários, para melhor compreender a questão] seria, portanto, um católico que professasse algum absurdo herético - por exemplo, que todas as religiões têm igual valor salvífico - sem que, contudo, tivesse a pertinácia na negação do dogma que é exigida para que se configure verdadeiramente uma heresia (ou seja, sem aquilo que é necessário para que ele seja propriamente um herege, um herege formal). E é exatamente esta, a meu ver, a situação de muitos católicos hoje em dia, que não são catequizados como convém. Um católico que passou a vida inteira em uma paróquia modernista ou da Teologia da Libertação, e que está sinceramente convencido de que (p. ex.) Nosso Senhor é uma espécie de prelúdio de Che Guevera e o comunismo foi pela primeira vez ensinado na Galiléia há 2.000 anos, sem dúvidas é um herege material profere uma heresia material; mas, muito provavelmente, falta-lhe a pertinácia no erro para que ele seja formalmente herege. Muito provavelmente ele quer ser bom católico; como, no entanto, teve péssimos pastores, ele assimila aquilo que lhe ensinaram e, portanto, não lhe pode ser imputado o delito de negar o ensino da Igreja, exatamente porque o “ensino da Igreja” que lhe foi passado é falsificado e ele provavelmente não o sabe. Em uma palavra, este católico não está excomungado por causa disso.

[Faço um adendo: a heresia pode estar - e, na minha opinião, está de fato - abundantemente disseminada na Igreja neste sentido: membros da Igreja, heresia material. Mas isso não conta para o Papa; não me parece razoável postular que o Papa possa ser herege material e não formal proferir uma heresia material inadvertidamente, salvo algum caso absurdo de perda da razão ou de eleição ao Trono de Pedro de um católico qualquer que já era materialmente herege professava heresias materiais desde sempre. Não sei se uma "Ignorância Doutrinária Invencível" para o Sumo Pontífice é uma impossibilidade teológica, mas é sem sombra de dúvidas uma enorme inverossimilhança; afinal, parece-me lógico que um Magistério [Invencivelmente] Ignorante não poderia produzir senão ignorantes, como um professor que não saiba física não poderia jamais produzir um Stephen Hawking. E uma Igreja Docente que ignorasse a Fé Católica soa-me profundamente absurdo, e implicaria obviamente na perda da Fé Católica no mundo - salvo um caso particularíssimo em que a Fé Católica se encontrasse em algum outro lugar que não na Igreja Docente, o que também considero, se não errôneo, ao menos ofensivo aos ouvidos pios.]

Pois bem, dada esta situação calamitosa, quais são as conseqüências disso? A primeira e mais assustadora, é que as almas vão para o Inferno. “Ah - pode-me dizer alguém -, mas as pessoas não têm culpa de desconhecerem a Doutrina da Igreja”, e com isso pode-se facilmente concordar. Mas as pessoas têm outras culpas e, se não conhecem a Igreja, se não conhecem o Evangelho, se não sabem as coisas que precisam fazer para se salvar, terão muito maior dificuldade em endireitarem as suas veredas. Ao contrário do que parece ser senso comum, parece-me uma evidência gritantemente evidente que não pode, de nenhuma maneira, ser mais fácil salvar-se na Ignorância do que no conhecimento do Deus Verdadeiro. E, se as pessoas não têm conhecimento do Deus Verdadeiro, ainda que não tenham culpa disso, têm menos acesso aos meios ordinários que Deus dispôs para a sua salvação e, por conseguinte, têm maior dificuldade para se salvar.

Além disso, o mundo fica (ao menos parcialmente) privado dos influxos benéficos da Igreja, posto que Ela é sempre, necessariamente, apresentada à humanidade mediante os homens que d’Ela fazem parte. Não Se torna estéril a Esposa de Cristo, mas os frutos que Ela poderia dar simplesmente não vêm aos homens porque os homens não vão até Ela. “Tempo houve” - escreveu Leão XIII - “em que a Filosofia do Evangelho governava os Estados” (Immortale Dei, 28); privando-se as sociedades da Doutrina Cristã, o mundo degenera em barbárie, e então temos a degradação moral da sociedade que hoje contemplamos atônitos.

E, por fim, o que pode ser feito? Em primeiro lugar, rezar, e rezar muito, e fazer penitência pelos nossos pecados, para que o Altíssimo Se compadeça de nós. Sofrer, em segundo lugar, com resignação as adversidades, oferecendo as nossas lágrimas ao Deus Altíssimo em união aos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz do Calvário. Combater, em terceiro lugar, mas combater os inimigos verdadeiros, nas posições que a Divina Providência assinalou para nós no grande campo de batalha da História, e não em outras; combater o que precisa ser combatido. Só assim a heresia poderá ser extirpada, a Igreja poderá ser conhecida, e o mundo poderá - como disse Nossa Senhora em Fátima - ter um pouco de paz. Só assim as almas poderão ser salvas, e Deus poderá ser glorificado. Que São Miguel Arcanjo nos proteja sempre no combate.



Resposta ao artigo, por Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Tantas discussões interessantes aqui em seu blog, tantos erros disseminados, certamente de boa fé, por pessoas das mais variadas posições, e tão pouco tempo para participar… Paciência!

Limito-me a observar o seguinte (pois basta-me aqui copiar e colar de dois artigos que traduzi há algumas semanas): a rigor, nunca é correto chamar um Católico de herege material.

Eis por quê:

Corretamente, o elemento material envolvido em ser um herege é o dissentimento consciente da regra Católica da Fé, ao passo que o elemento formal é o estado perverso da vontade implicado nesse dissentimento. Feita assim a distinção, um Católico que inculpavelmente proponha uma proposição herética por inadvertência pode talvez dizer-se que apresentou uma heresia material; mas ele não pode ser chamado de *herege material*. Ele não é um herege em nenhum sentido. Um herege é alguém que dissente totalmente da regra católica da fé, e ele será chamado de herege material se ele for invencivelmente ignorante da autoridade da Igreja que ele rejeita, e de herege formal se a autoridade da Igreja tiver sido proposta suficientemente a ele, de modo que o seu dissentimento dela seja culpável. (Isso é explicado com clareza pelo Cardeal Billot: *De Ecclesia Christi*, ed. 4, pp. 289-290).

Então, de acordo com o uso correto do termo, conforme delineado acima, um católico nunca pode se tornar um herege material. Ele não é invencivelmente ignorante da autoridade da Igreja, e qualquer dissentimento consciente dos ensinamentos dela torná-lo-á, portanto, um herege formal. Hereges materiais são exclusivamente aqueles batizados *não-*católicos que errem de boa fé. É por isso que o Dr. Ludwig Ott observa que “hereges públicos, mesmo aqueles que erram de boa fé (hereges materiais), não pertencem ao corpo da Igreja, ou seja à comunidade jurídica da Igreja” (*Fundamentals of Catholic Dogma*, p. 311).

E, aliás, a expressão escolhida pelo Dr. Ott – “hereges que erram de boa fé” – é aquela usada no Código de Direito Canônico (Cânon 731), que evita completamente o termo potencialmente enganador “hereges materiais”.

(J.S. DALY, Pertinácia: Heresia Material e Formal, trad. br. por F. Coelho, em jan. 2009, de: Pertinacity: Material and Formal Heresy, Le Bouchillou à Servanches, 1999, sedevacantist.net/pertinacity.html)

Eis o trecho esclarecedor do Cardeal Billot, referido no trecho acima, e transcrito como Apêndice a um outro artigo do mesmo autor, que também traduzi mês passado e que colo aqui:

Apêndice 2

Billot sobre a Natureza da Heresia

“Os hereges dividem-se entre formais e materiais. Os hereges formais são aqueles para os quais a autoridade da Igreja é suficientemente conhecida; ao passo que os hereges materiais são aqueles que, estando em ignorância invencível da própria Igreja, de boa fé escolhem alguma outra regra diretriz. Então a heresia de hereges materiais não é imputável como pecado e, de fato, ela não é *necessariamente* incompatível com aquela fé sobrenatural que é o início e a raiz de toda justificação. Pois eles podem crer explicitamente nos artigos principais, e crer nos outros, embora não explicitamente, porém implicitamente, através de sua disposição de inteligência e boa vontade de aderir ao que quer que lhes seja proposto suficientemente como tendo sido revelado por Deus. De fato, eles podem ainda pertencer ao corpo da Igreja por desejo e cumprir as outras condições necessárias para a salvação. Não obstante, quanto à incorporação *atual* deles na visível Igreja de Cristo, que é o tema que agora nos ocupa, nossa tese não faz distinção entre hereges formais e materiais, entendendo tudo de acordo com a noção de heresia material que acaba de ser dada, que de fato é a única verdadeira e genuína.(20) Pois, se for entendido pela expressão *herege material* alguém que, ao mesmo tempo que professando sujeição ao Magistério da Igreja em questões de fé, não obstante isso, ainda nega algo definido pela Igreja por não saber que isso foi definido, ou, no mesmo diapasão, defende uma opinião oposta à doutrina Católica por crer equivocadamente que a Igreja a ensina, seria bastante absurdo colocar os hereges materiais fora do corpo da verdadeira Igreja; mas nesse entendimento o uso legítimo da expressão seria totalmente pervertido. Pois um pecado material é dito que existe somente quando aquilo que pertence à natureza do pecado acontece materialmente, mas sem advertência ou vontade deliberada. Mas a natureza da heresia consiste em subtrair-se à regra do Magistério eclesiástico e isso não acontece no caso mencionado [de alguém que está determinado a crer em tudo o que a Igreja ensina mas comete um erro quanto a qual seja o ensinamento dela], já que isso é um simples erro de fato concernente ao que é que a regra/norma dita. E, portanto, não há lugar para heresia, nem sequer materialmente.” (Cardeal Louis Billot S.J., amplamente considerado o principal teólogo tomista dos séculos recentes, em seu De Ecclesia Christi, 4.ª edição, pp. 289-290).

Resulta claro deste texto que um mero erro de fato quanto ao que a Igreja ensina ou acerca de quem é o papa dela não constitui nem mesmo heresia ou cisma materiais. Herege não é quem comete um erro quanto ao que a Igreja ensina, mas quem nem sequer respeita o princípio de submissão ao Magistério. Similarmente, cismático não é quem erra ao julgar se um determinado indivíduo ocupa a Santa Sé, mas quem recusa submissão à Santa Sé. Assim, quando o Cânon 731§2 proíbe que os sacramentos sejam dados a hereges e cismáticos que erram de boa fé, refere-se àqueles que estão em ignorância invencível do dever de pertencer à Igreja, não àqueles que erram inadvertidamente num ponto de doutrina ou na avaliação da pretensão de um dado indivíduo ao papado. Os sacerdotes não podem ministrar os sacramentos a cismáticos nem mesmo se estes foram criados no cisma e não são culpáveis. Mas seria um mal-entendido completo equacionar tais pessoas com os Católicos que estão confusos quanto à avaliação do presente status de João Paulo II.>>

(John S. DALY, Teremos Entendido Corretamente o Cisma?, trad. br. por F. Coelho, em jan. 2009, de: Have We Correctly Understood Schism?, Le Bouchillou à Servanches, 29 set. 1999, http://sedevacantist.com/npis.html )

Isso ajuda a entender melhor a questão?

Um abraço amigo,
Em JMJ,
Felipe Coelho

PS: As citações não apareceram no post anterior, em razão de uma tentativa frustrada minha de simular aspas francesas. Seria possível apagá-lo? Grato, AMDGVM, FC



Resposta de Jorge Ferraz.

Prezado Felipe Coelho, Salve Maria!

Agradeço imensamente pelos dois textos trazidos; de fato, reconheço haver uma imprecisão terminológica no meu post porque heresia é definida como negação pertinaz…

Não havendo, portanto, num católico que profere inadvertidamente uma proposição herética, a deliberação em negar o ensino da Igreja, a rigor, o termo “herege material” não se lhe deve ser aplicado. Obrigado, mais uma vez; enriquece muitíssimo a questão.

No entanto, não estou certo de que a analogia com relação ao cisma seja exata, afinal, para cisma, fala-se em “recusa à sujeição ao Romano Pontífice” (e não em “recusa ao princípio de que existe uma autoridade”); todo “cisma puro” precisa ser “de fato”, porque negar o princípio de que há uma autoridade única na Igreja configuraria também heresia e, se fosse assim, a tipificação de “cisma” como delito canônico seria redundante (bastaria, afinal, manter as punições para heresia). Até porque, um “erro de fato” desculpável quanto à pessoa que ocupa o Trono de Pedro é possível em certos períodos históricos conturbados quando há Anti-Papas disputando o Sumo Pontificado; quando toda a Igreja reconhece um Papa como legítimo, a coisa muda de figura…

Abraços, em Cristo,
Jorge Ferraz



Resposta de Felipe Coelho.

Muito prezado Jorge, Ave Maria Puríssima!

Fico bem contente de ter podido ajudar.

Vejo que você permanece em dúvida, porém, quanto à questão do cisma e penso que também aqui, talvez, o que segue possa ser esclarecedor.

Antes de mais nada, noto que em nenhum lugar dos dois textos que citei se encontra essa definição falsa de cisma, que você tem razão de repudiar, mas que você põe entre aspas: “recusa ao princípio de que existe uma autoridade”.

Recorto, a seguir, da citação acima, somente o que o autor fala sobre o cisma:

“Resulta claro deste texto [do Cardeal BILLOT, cit. supra] que um mero erro de fato [...] acerca de quem é o papa dela [=da Igreja] não constitui nem mesmo heresia ou cisma materiais. [...] cismático não é quem erra ao julgar se um determinado indivíduo ocupa a Santa Sé, mas quem recusa submissão à Santa Sé. Assim, quando o Cânon 731§2 proíbe que os sacramentos sejam dados a [...] cismáticos que erram de boa fé, refere-se àqueles que estão em ignorância invencível do dever de pertencer à Igreja, não àqueles que erram inadvertidamente [...] na avaliação da pretensão de um dado indivíduo ao papado. Os sacerdotes não podem ministrar os sacramentos a cismáticos nem mesmo se estes foram criados no cisma e não são culpáveis. Mas seria um mal-entendido completo equacionar tais pessoas com os Católicos que estão confusos quanto à avaliação do presente status de João Paulo II [ou de Bento XVI (N.doT.)."

Como vê, não há nem sombra aí da falsa definição de cisma que você põe entre aspas, caro Jorge: "recusa ao princípio de que existe uma autoridade".

De onde você tirou essa idéia?

Em todo caso, já que a dúvida parece pairar sobre a razão pela qual, digamos assim mais diretamente, alguém como eu não é cismático nem mesmo na hipótese (eu quase diria: per absurdum...) de Bento XVI ser verdadeiro Papa, reproduzo abaixo a tradução de um artiguete de fórum (ainda o mesmo autor e o mesmo tradutor apressado...) que, a meu ver, expõe bem essa questão, tradução esta que eu já tinha bem adiantada e que sua resposta me motivou a terminar.

Divido-a em introdução e dois tópicos, por sua vez subdivididos em breves subtópicos, para facilitar a leitura e para ninguém reclamar da extensão.

E fico agüardando seus sempre ponderados comentários, claro!

Um abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho

* * *

[I – OCASIÃO DO ARTIGO]
« Alguns novatos do Fórum [www.leforumcatholique.org (N.doT.)] relançaram, recentemente, a acusação de cisma contra (a) quem adere à FSSPX, ou (b) as pessoas que crêem ilegítimos os pontificados recentes (conhecidas como sedevacantistas).
Notamos imediatamente que aqueles para quem esse julgamento é evidente tendem a ser jovens fogosos cujas intervenções não dão testemunho de um conhecimento muito profundo do direito canônico ou da teologia.
[I.2 – OBJETO DO ARTIGO]
Eu gostaria, por meio deste post, de precisar algumas razões pelas quais certos canonistas e teólogos mais sérios, ainda que submissos ao regime do Vaticano II, hesitariam porém longamente antes de dar seu aval a essa condenação.
[II – SEM PERTINÁCIA NÃO HÁ CISMA]
É verdade que o cânon 1325 do Código de 1917, reconhecido pelos que recusam a Igreja Conciliar, define um cismático como sendo aquele que “recusa submissão ao Romano Pontífice e comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos”. É verdade que é impossível de afirmar que a FSSPX é realmente submissa a Bento XVI, a quem eles não obedecem em absolutamente nada. E menos ainda os sedevacantistas, que não dão a ele nem mesmo reconhecimento nominal. Mas basta consultar os autores aprovados para constatar que a recusa em questão [i.e. a recusa de submissão ao Papa que constitui cisma (N.doT.)] implica não somente o ato material mas também um elemento essencial de conhecimento e de vontade. É o que resta a ser provado mesmo por quem não enxerga nenhuma razão justa para não ser submisso aos chefes do regime conciliar.
Santo Tomás, primeiro que todos, sublinha que “os cismáticos, falando propriamente, são aqueles que se separam voluntariamente e intencionalmente da unidade da Igreja…” (Summa Theologiae II-II, 39, 1). E a célebre Bulla Coenae declara excomungados “os cismáticos e todos aqueles que se retiram com pertinácia da obediência ao Romano Pontífice.”
[II.2 – CONFUSÃO ATUAL QUASE IMPOSSIBILITA A PERTINÁCIA]
Ora, uma circunstância excepcional, tal como uma crise ou uma reviravolta na Igreja, cria facilmente uma situação em que a recusa parcial ou total de submissão ao eleito do conclave, ou mesmo a recusa de o reconhecer em absoluto, pode não ser o fruto dessa pertinácia, dessa “intenção de se separar da unidade que é o efeito da caridade” (Sto. Tomás, loc. cit.). É por isso que os autores especializados concordam em fazer exceções:
1. “Não podem, afinal, ser contados entre os cismáticos aqueles que recusam obedecer ao Romano Pontífice por considerarem a pessoa dele digna de suspeita ou duvidosamente eleita…” (Wernz-Vidal, Ius Canonicum, vol. vii, n. 398).
2. “Não há cisma se … se recusa a obediência na medida em que … se suspeita da pessoa do papa ou da validade de sua eleição…” (Pe. Ignatius Szal, Communication of Catholics with Schismatics, Catholic University of America, 1948, p. 2).
“…não é cismático quem recusa submissão ao pontífice por ter dúvidas prováveis concernentes à legitimidade da eleição dele ou do poder dele…” (De Lugo, Disp., De Virt. Fid. Div., disp xxv, sect iii, nn. 35-8).
Vê-se que os “ultras” caem perfeitamente nessa categoria excepcional naquilo que se refere à atitude deles para com os pontificados conciliares.
[II.3 – PARALELOS HISTÓRICOS O CONFIRMAM]
A história sagrada vem em apoio dessa conclusão. Durante o “cisma” de Anacleto II e novamente durante o Grande Cisma do Ocidente, vemos a unidade da Igreja fraturada em seus acidentes sem ser destruída em sua substância pelas discordâncias concernentes à identidade do verdadeiro Papa.
[II.4 – PERTINÁCIA EXIGE AINDA CONHECIMENTO BEM EXPLÍCITO DO MAL QUE SE FAZ]
Os canonistas irão ainda mais longe, sublinhando que a contumácia necessária para incorrer na excomunhão que atinge ipso facto o cismático e o herege exige um conhecimento particularmente explícito do mal que se faz.
Assim escreve Naz:
“As palavras ‘apóstata’, ‘herege’, ‘cismático’ devem ser tomadas no sentido em que são definidas no cânon 1325§2. Recordemo-lo brevemente e para não termos mais que voltar a isto: a pena não atinge senão os delitos, portanto os atos exteriores e gravemente culpáveis. Ademais, a palavra ‘pertinaciter’ do cânon 1325§2 exime da pena aquele cujo ato herético apresenta qualquer diminuição de imputabilidade (cânon 2229§2). » (Traité de Droit Canonique, tomo IV, n. 1139)
E Vermeersch afirma:
“Se alguém comete esses pecados [apostasia, heresia, cisma] em decorrência de ignorância mesmo gravemente culpável … esse alguém está imune do delito, o qual exige a pertinácia.” (Epitome Iuris Canonici Cum Commentariis (Mechlin), ed. 5, iii, 311).
O Pe. Cance resume sua doutrina em termos similares:
“Na medida em que uma lei contém as expressões seguintes: (se alguém) presume, ousa, conscientemente, deliberadamente, temerariamente, expressa ou outras semelhantes (por exemplo pertinaciter…) toda diminuição de responsabilidade da parte da inteligência ou da vontade exime das penas latae sententiae (c. 2229§2) seja qual for a causa dessa diminuição: ignorância (grave ou leve), intoxicação, falta de diligência necessária, fraqueza de espírito…” (n. 225)
“Conforme o c. 1325§2 devemos considerar…como cismático quem recusa submeter-se ao Papa…; mas o delito…de cisma não pode atingir senão atos exteriores (públicos ou ocultos); gravemente culpáveis (portanto também interiores) e, se se trata de heresia (ou mesmo de cisma), acompanhados de obstinação… Admite-se comumente que a ignorância supina e crassa impede o delito de heresia, e parece se pode dizer o mesmo em se tratando da ignorância afetada.”
(Le Code de Droit Canonique – Commentaire, Tom. III, ed. 8, 1952, n. 273)
Numerosos outros canonistas aderem a essa doutrina, como Chelodi: Jus Poenale, p.30, n.1, M. a Coronata: Institutiones IV, p.120, n.4, Beste: Introductio in Codicem ad can. 2229§2.
[III – CONCLUSÃO, RESPALDADA AINDA PELO SILÊNCIO DA HIERARQUIA CONCILIAR]
Penso que se compreenderá facilmente por que me parece injustificado, face a estas citações, para os “conservadores” tratar de ofício como cismáticos os tradicionalistas radicais [les tradis purs et durs (N.doT.)], os “ultras”, ainda mais enquanto nenhuma sentença de excomunhão foi proferida por quem quer que seja contra um Católico FSSPX ou sedevacantista se não for em razão de ter pessoalmente dado ou recebido a sagração episcopal sem mandato pontifical.
[III.2 – 1.ª RAZÃO DESSA HESITAÇÃO: PLAUSIBILIDADE DA RETORQUIO]
Uma razão dessa reticência talvez seja o receio de que se não lhes reenvie a acusação, e não sem uma aparência de justiça.
O teólogo jesuíta Suarez (1548-1617), tão altamente louvado pelos Papas, e que deveu seu gênio a um milagre da Santíssima Virgem, não hesita em dizer que até mesmo um Papa pode tornar-se cismático, por exemplo ao abolir todas as cerimônias eclesiásticas fundadas na tradição apostólica.
“Et hoc secundo modo posset Papa esse schismaticus, si nollet tenere cum toto Ecclesiae corpore unionem et coniunctionem quam debet, ut si tentat et totem Ecclesiam excommunicare, aut si vellet omnes ecclesiasticas caeremonias apostolica traditione firmatas evertere.” (De Charitate, Disputatio XII de Schismate, sectio 1)
Não faço aqui o processo da revolução do Vaticano II. Observo apenas que mesmo protestantes e ateus compartilharam do julgamento de Mons. Lefebvre de que se tratou da “destruição da Igreja a mais profunda e mais ampla de sua história no espaço de tão pouco tempo, o que nenhum heresiarca jamais conseguiu fazer” (Le Figaro, 4 de agosto de 1976).
O poder do Papa estando limitado pelo que é das tradições divinas e apostólicas e por toda a ordem doutrinal, e não existindo senão para construir [a Igreja], não para [a] destruir, o autor daquilo que ele mesmo chamou de uma “destruição” da Igreja, na ordem litúrgica, disciplinar e ao menos aparentemente doutrinal (Paulo VI) não poderia se espantar de ter provocado a reação “tradicionalista” até às suas manifestações FSSPX ou sedevacantistas. Quem torna a obediência repugnante não será obedecido. Quem põe atos que parecem aqueles que implicam na perda ipso facto de seu ofício diminui seu estatuto e lança uma sombra sobre sua pessoa mesmo se de fato essa aparência for enganosa.
[III.3 – 2.ª RAZÃO: NOVA ECLESIOLOGIA CONCILIAR]
Uma outra razão pela qual as autoridades conciliares (obrigado ao Cardeal Benelli pela palavra) não pronunciam tão facilmente as palavras cismático ou excomunhão com relação aos “ultras” da tradição pode ser por elas já terem emasculado essas concepções a ponto de não lhes deixarem senão uma força ínfima.
Pois a nova concepção eclesiástica do Vaticano II não faz da comunhão eclesiástica um absoluto. Há, para os fiéis do Vaticano II, graus de comunhão e de catolicidade. Um cismático não está mais, segundo essa concepção, simplesmente fora da Igreja, lá onde não há salvação. Ele está numa comunhão menos plena, mas capaz de ser de uma igreja apostólica da qual o Espírito Santo se serve como meio de salvação. Como querer apavorar os “ultras” brandindo um gládio voluntariamente tornado cego?


[III.4 – NEM MESMO O NOVO CÓDIGO DIFERE DO EXPOSTO]


Antes de concluir este pequeno estudo, recordo que me sirvo do Código de 1917, o único em vigor durante o concílio Vaticano II e para todos os conclaves conciliares exceto o último, e o único reconhecido pelos “ultras”. Sem embargo, não creio que o Código de 1983 diga algo diferente acerca dessas questões. »


(John DALY, Cacemos os cismáticos! , Forum Catholique, 9 de setembro de 2007, trad. br. por F. Coelho, em fev. 2009, de: Chassons les schismatiques !, http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=263358 ).

 
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