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Ovelhas sem pastor











“Eis que o inimigo antigo e homicida se ergueu com
veemência, transfigurado em anjo de luz (…) Ali,
onde está constituída a Sede do beatíssimo Pedro
e Cátedra da Verdade para iluminar os povos,aí
colocaram o trono de abominação da sua impiedade,
para que, ferido o Pastor, se dispersassem as ovelhas”
(Ritual do Exorcismo publicado por Leão XIII).


É impossível que um bispo caído em heresia continue a ser, validamente, uma autoridade da Igreja. Só é membro da Igreja quem, dentre outras condições, crê integralmente na doutrina católica. Donde o delito de heresia (não crer em alguma verdade da doutrina católica), por sua própria natureza, separa da Igreja aquele que o comete. O herege é, essencialmente, um não-membro da Igreja, ainda que, porventura, quisesse se disfarçar de católico.
Os bispos, por sua vez, são os membros principais da Igreja (Pio XII, Mystici Corporis, D.S. 3804). Sucessores dos Apóstolos, eles possuem a plenitude do sacerdócio e têm uma verdadeira autoridade sobre suas dioceses, embora subordinada à autoridade papal. A própria permanência da Igreja neste mundo como que se confunde com a permanência do episcopado: em termos de membros, tudo o que a indefectibilidade da Igreja exige, necessariamente, é que subsista ao menos um bispo fiel, de tal modo que, se morressem ou apostatassem todos os leigos, se morressem ou apostatassem todos os padres, se morressem ou apostatassem quase todos os bispos, sobrando apenas um bispo fiel, a Igreja teria sobrevivido a essa catástrofe, e esse único bispo, convertendo outras pessoas e fazendo as ordenações necessárias, poderia repor, aos poucos, todas as perdas.

Ora, sendo os hereges não-membros da Igreja, e sendo os bispos os membros principais da Igreja, é impossível que alguém seja bispo e herege ao mesmo tempo.

Membro principal não-membro é um absurdo. Tão absurdo quanto um “círculo quadrado”. E a teologia católica sempre ensinou que nem Deus pode fazer o que é absurdo.

O caráter recebido na Ordenação Sacerdotal e Episcopal, claro está, não pode ser apagado, mas o exercício legítimo do poder sacerdotal e o ser autoridade na Igreja (poder de jurisdição), esse se perde pela heresia. O poder de Jurisdição é, por essência, móvel, ao contrário do de Ordem.

Ouçamos o maior dos Doutores da Igreja, S. Tomás de Aquino:
“O poder sacramental é conferido por uma consagração. Ora, todas as consagrações da Igreja são inamovíveis, enquanto durar o objeto consagrado (…) Por onde, tal poder permanece, por essência, em quem o recebeu pela consagração, enquanto viver, mesmo que resvale no cisma ou na heresia; e o demonstra o fato de, voltando de novo à Igreja, não ser de novo consagrado (…) Por seu lado, o poder jurisdicional é conferido por simples injunção humana; e esse não adere imovelmente. Por isso, não permanece nos cismáticos e nos heréticos. Por onde, não podem absolver, nem excomungar, nem conceder indulgências, nem fazer coisas semelhantes. E, se o fizerem, será como se feito não fosse” (S. Th. 2-2ae, q. XXXIX, a. 3).

Nem Deus pode fazer com que o gênero não seja predicável da espécie (S. Tomás, Summa Contra Gentiles, 2/25). O gênero de “membro da Igreja” tem, necessariamente, que poder ser aplicado à espécie de “membro-chefe da Igreja”. Do que resulta ser metafisicamente impossível que um indivíduo seja, ao mesmo tempo, herege e autoridade da Igreja. Se é herege, não é autoridade da Igreja e não deve nem pode, pois, ser tratado como se fosse uma autoridade da Igreja.

“É absurdo que quem está fora da Igreja presida dentro dela” (Leão XIII, Satis Cognitum, 37).

“Os heréticos não são membros ou partes da Igreja e, por isso, não são cabeças da Igreja” (Melchior Cano).

Bispos = Membros principais da Igreja = Crentes principais.
Herege = Não membro da Igreja = Não crente.
É pouca a contradição? (…)

Um herege não é um simples membro morto da Igreja, como outros pecadores, mas absolutamente um não-membro. A relação que existe entre a Igreja e um herege é como a de um corpo humano com uma pedra: esta jamais poderia ser um órgão do corpo, e, sobretudo, jamais poderia ser a cabeça da pessoa.

Supor hereges como chefes válidos da Igreja é supor uma mistura monstruosa entre a Igreja de Cristo e a igreja do diabo. E São Paulo já advertia: “Não formeis parelha incoerente com os incrédulos. Que afinidade pode haver entre a justiça e a impiedade? Que comunhão pode haver entre a luz e as trevas? Que acordo entre Cristo e Belial? Que relação entre o fiel e o incrédulo? Que há de comum entre o templo de Deus e o dos ídolos?” (II Cor VI, 14-16).

“A Igreja tem em si e por si todos os meios para a sua incolumidade” (Leão XIII, Immortale Dei). Diante da possibilidade de infiltração de inimigos da Fé no meio do clero, a Santa Igreja não está desprotegida: nenhum cargo eclesiástico pode ser validamente ocupado por um herege e, se alguma autoridade cai em heresia, perde imediatamente o seu cargo, e isso sem nenhuma necessidade de qualquer declaração oficial. Isso é o que diz expressamente o Cânon 188/4. Uma declaração oficial da perda do cargo seria apenas como um atestado de óbito dado pelo médico: não é o atestado que tira a vida do falecido, mas o fato mesmo da morte, e ainda que faltasse o atestado, isso em nada alteraria a morte do indivíduo. Como disse Nosso Senhor: “Quem não crê, já está julgado” (Jo III, 18). (Trata-se aqui, convêm deixar claro, de heresia pública. Quando a heresia é apenas privada, ou seja, cometida tão só em pensamentos ou de maneira plenamente secreta, não se perde o cargo eclesiástico, porque somente um delito público pode ter conseqüências também públicas.)

Além disso, o Cânon 2314 fulmina com excomunhão latae sententiae aquele que comete o delito de heresia. Ora, uma excomunhão latae sententiae é, precisamente, uma excomunhão que ocorre de modo automático, sem precisar de qualquer declaração oficial. E, uma vez que um excomungado é alguém expulso da Igreja, como poderia continuar sendo chefe válido dentro da Igreja? O excomungado não pode receber nem administrar qualquer sacramento, não pode lucrar nenhuma indulgência, não pode ter parte nas preces públicas da Igreja, não pode nem ter enterro eclesiástico, etc. – e poderia continuar sendo uma autoridade da Igreja?! Só na mente de um tolo…

E mesmo que o delito de heresia não fosse punido com excomunhão, acarretaria, por sua própria essência, as mesmas conseqüências de uma excomunhão, como diz um santo Doutor: “Os excomungados são separados da Igreja por ação das autoridades. Os heréticos e cismáticos retiram-se por si mesmos e não tem poder sobre os que permanecem na Igreja” (São Roberto Belarmino, citado por Homero Johas, O Concílio da Apostasia, Coetus Fidelium: Rio, 2004, p. 76).

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