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A REVOLUÇÃO RELIGIOSA NO SEIO CATÓLICO BRASILEIRO



Para compreendermos a verdadeira Revolução que ocorreu no Brasil sob a regência colegiada da CNBB, no período que se seguiu ao Concílio Vaticano II, precisamos, primeiramente, compreender a situação do mundo católico antes do Concílio. Evidentemente, houve, principalmente desde o século XIX, um enorme combate por parte da Igreja contra o pulular de doutrinas heréticas que circundavam os meios católicos.
Gregório XVI, Pio IX e Leão XIII batalharam no século XIX contra diversas correntes de pensamento que então surgiam. Gregório XVI lutou contra o Liberalismo do Pe Felicité de Lamennais, através da Encíclica Mirari Vos, publicada em 15 de agosto de 1832; Pio IX publicava, em 8 de dezembro de 1864, a Encíclica Quanta Cura, contra o laicismo do Estado, e o Syllabus Errorum; Leão XIII condenara, através da Encíclica Libertas, a doutrina da Liberdade Religiosa.
Já no século XX, São Pio X, em 8 de setembro de 1907, publicava a Encíclica Pascendi Dominici Gregis, que condenava o Modernismo de Loisy, Tyrrel e Murri, como “síntese de todas as heresias”. Em 1910 o mesmo Papa condenava a Marc Sangnier com a sua “liberdade e igualdade na política”, através da Encíclica Notre Charge Apostolique. Pio XI, em 6 de janeiro de 1928, condenava o movimento ecumênico que negava a Unidade da Igreja e que queria promover a unificação de todos os cristãos.
Entre os precursores mais próximos do Concílio, podemos destacar o “Movimento Litúrgico”, obra de beneditinos, sobretudo de Dom Lambert Beauduin. Este movimento impulsionou o que foi chamado de ativismo litúrgico. Termos como “concelebração entre padres e fiéis” começavam a fazer parte da linguagem eclesiástica. A influência deste movimento foi ecoada aqui no Brasil principalmente pelos beneditinos do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Apareciam vocabulários inovadores nos meios “intelectuais” católicos. Segundo Julio Fleichman, no Mosteiro “havia uma Missa mais ou menos escondida, às 7 da manhã de um dos sábados de cada mês, em que o oficiante celebrava “versus populum””. [1] Pio XII trabalhou para conter estes sinais de progressismo, porém, num mundo entre guerras, a atenção de muitos pastores se dispersava e a palavra do Pontífice caia no esquecimento. Para conter os excessos do Movimento litúrgico que tomava forças, Pio XII escreveu a encíclica Mediator Dei, em 1947. Este mesmo Papa identificava, já naquela época, o surgimento de uma nova teologia. Este termo “nova teologia” foi reprovado na Alocução Quamvis inquieti, de 22 de setembro de 1946. Os seus intelectuais exigiam um retorno ao que chamavam de fontes, para “libertar os dogmas” dos elementos do pensamento aristotélico-tomista.
No que tocava às obras de apostolado católico, instituições fundadas por recomendação do Papa Pio XI (a Ação Católica por exemplo), estas começavam a se desviar dos seus objetivos iniciais. Estes movimentos foram se alinhando a um bispo com tendências esquerdistas, seu nome era Hélder Câmara.
No âmbito da Filosofia e Teologia católicas, pensadores como Jacques Maritain já se faziam ouvir. Em Roma, os jesuítas que predominavam na Comissão Bíblica Pontifícia e no Instituto Bíblico, começaram a sua obra de ralliement biblique. Idéias de protestantes como as do “teólogo” Bultmann, questionavam a autenticidade e a historicidade das Sagradas Escrituras. Porém, com a descoberta dos chamados “Documentos do Mar Morto”, a argumentação dos racionalistas caiu por terra, pois os evangelhos puderam ser datados acerca do ano 50 e não no fim do primeiro século como queriam os modernistas. Para eles, os Evangelhos teriam sido resultado de um conjunto de escritores anônimos da Comunidade, que exprimiam apenas sentimentos pessoais e não os fatos históricos reais.
O século XX, como sabemos, foi de grandes turbulências. Duas grandes guerras mundiais aconteceram, revoluções por todas as partes do mundo, cortinas de ferro e, conseqüentemente, enormes mudanças nas formas de pensar e agir das sociedades em geral. Foi o século em que mais se falou em dignidade, paz e direitos humanos. Ao mesmo tempo foi o século com o maior número de genocídios em série da História. Neste tempo de guerras, os padres e bispos, principalmente na Europa, não puderam se aplicar como antes num profundo estudo da escolástica. Diversos Seminários foram completamente destruídos pela guerra, e na Europa Oriental os exércitos vermelhos impunham o terror e perseguições à Igreja.
Neste contexto de ânsias por um mundo novo, palavras como paz, justiça social e igualdade encontravam ressonância cada vez maior. João XXIII em Mater et Magistra, 1961, já falava no dever de incluir o progresso da socialização em nossa época. Em 1962 chegava ao Brasil o fenômeno Teilhard de Chardin, um jesuíta que fazia sucesso com os livros que publicava. Chardin pregou o evolucionismo e o relativismo dentro da religião. Sobre este fenômeno escreveu Mons. Proença Sigaud, quando consultado por João XXIII sobre as decisões que deveriam ser tomadas no Concílio:
“Dos seminários e da própria Cidade Santa retornam seminaristas imbuídos das idéias revolucionárias , definem-se eles como “maritainistas” e são “discípulos de Teilhard de Chardin”, “socialistas católicos”, “evolucionistas”. É raro que um sacerdote que impugna as idéias da Revolução seja elevado à dignidade episcopal; e também é freqüente que isto ocorra a quem as promove.” [2]
No entanto ainda havia alguém no Vaticano que vigiava, o Cardeal Ottaviani. A avalanche era grande e encontrava apoio de João XXIII, mesmo assim este Cardeal publicou um Monitum, ou seja, uma advertência formal e pública que demonstrava que as obras de Teilhard de Chardin continham ambigüidades e erros doutrinários graves. O Vaticano II, todavia, segundo Dom Waldyr Calheiros, recuperou Teilhard já excluído e silenciado pela Igreja.[3]
Mas o que a maioria dos eclesiásticos queria agora era um mundo melhor e por que não, se queria-se mudar tudo, uma igreja melhor. Se queriam um novo mundo por que não almejar uma nova religião? Estes anseios de mudanças e de conciliações com a Nova Ordem Mundial que nascia, desaguaram no Concílio Vaticano II[4] e tiveram proporções mundiais, através dos seus desdobramentos. A nova religião do Concílio teria agora a sua base no culto do homem, ou seja, no Humanismo Integral de Maritain. Assim discursava Paulo VI no encerramento do Vaticano II:
“O humanismo laico e profano apareceu, finalmente, em toda a sua magnitude, desafiando o Concílio. A religião do Deus que se fez homem encontrou-se com a religião (porque tal é) do homem que se faz Deus (grifo nosso). Que aconteceu? Combate, luta, anátema? Tudo isto poderia ter-se dado, mas de fato não se deu. (...) Com efeito, um imenso amor para com os homens penetrou totalmente o Concílio. (...) Vós, humanistas do nosso tempo, que negais as verdades transcendentes, daí ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós, e mais do que ninguém, somos cultores do homem (grifo nosso). (...) Uma corrente de interesse e de admiração saiu do Concílio sobre o mundo atual.”[5]
Instalava-se, portanto, no Vaticano, a religião do culto do homem e que solicitava o louvor dos humanistas ateus. Não existiriam mais anátemas e lutas contra as heresias. A religião do Concílio declarava-se agora “escrava da humanidade”. [6]
Diante da hierarquia, os leigos de agora em diante passariam a ter papel primordial na obra de “humanização” do Concílio:
“Por sua parte, os sagrados pastores reconheçam e tornem efetivas a dignidade e responsabilidade dos leigos na Igreja; aproveitem de bom grado o seu conselho prudente, confiem-lhes tarefas para o serviço da Igreja, e deixem-lhes liberdade e campo da ação (grifo nosso); animem-nos mesmo a empreender outras obras por iniciativa própria. Considerem atentamente, diante de Deus, com paternal afeto, as iniciativas, as propostas e os desejos manifestados pelos leigos. Enfim, os pastores hão de reconhecer respeitosamente a justa liberdade que a todos compete na sociedade terrestre.”[7]
Tínhamos diante de nós as primeiras receitas do que aqui na América Latina assumiu o nome de CEB (Comunidades Eclesiais de Base). Mas faltava uma última característica, que também fez parte destas comunidades que posteriormente surgiriam: o ecumenismo.[8] Nisso o Concílio também pensou. Uma das principais notas de visibilidade da Igreja, a unicidade, seria agora esquecida e os padres conciliares empenhar-se-iam em empreender uma Unitatis Redintegratio. Ora, o credo católico reza assim: Et UNAM sanctam catholicam et apostolicam Ecclesiam. Se a Igreja é una, que unidade o Concílio queria reintegrar?

Desdobramentos do Concílio para a América latina: Medellín, Puebla e a Teologia da Libertação

O primeiro desdobramento conciliar foi a Conferência de Medellín, que ocorreu em 1968, ali foram lançadas as bases do que chamou-se Teologia da Libertação. Nesta ocasião, Gustavo Gutierrez e Hugo Assman explicitaram suas doutrinas que se refletiam no campo da Filosofia e da Teologia. Não são poucos os que afirmam que foi Dom Eugênio de Araújo Sales, considerado hoje conservador, quem trouxe o germe da Teologia da Libertação para o Brasil. Aqui Dom Hélder Câmara regou e Leonardo Boff colheu.
Com o apostolado livre para os leigos e com a influência dos protestantes de esquerda por via ecumenismo, o campo estava aberto para as Cebs, pois o “marxismo influenciou profundamente o pensamento teológico protestante, de onde passou para os católicos, através das obras de outros autores como Karl Barth, Hromadka, Jürgen, Moltmann, entre outros, cujas doutrinas encontram ressonância em teólogos católicos como Ernest Bloch e Hans Küng.” [9] O poder na Igreja deixava de ser monárquico, passando agora a ser colegiado.[10] Quem poderia parar as Cebs? Realmente, enquanto tínhamos - pelo menos com Castelo Branco, Costa e Silva e Médici - governantes conservadores, em contrapartida passávamos a ter uma igreja às esquerdas. Os hábitos religiosos não eram mais utilizados, a não ser para enfrentar os militares, como aconteceu com os dominicanos em São Paulo. Desde o Concílio haviam parado de usar os hábitos, mas quando eram procurados pelo exército sob suspeita de estarem dando refúgio aos comunistas subversivos, o que depois se confirmou, estes os vestiam para fazerem pressão psicológica. Eram os primórdios da militância do “marxismo católico.”
O que estamos expondo aqui é que, segundo a doutrina perene da Igreja, a teologia da libertação é contrária à Revelação, pois baseia-se no que chama de realidade. Como o Evangelho não dá margem para a análise pretendida pelos teóricos da Libertação, estes recorreram ao marxismo para corroborar seus anseios. Assim vejamos o que disse um dos patriarcas desta corrente:
“Neste momento de racionalidade e objetividade, o teólogo pode se utilizar do aporte da teoria marxista (...) O que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas marxismo (materialismo histórico) dentro da Teologia”.[11]
No entanto, marxismo e catolicismo são termos intrínsecamente opostos, por isso assim ensinou o Papa Pio XI:
“Católico e socialista são termos antitéticos. E se o socialismo, como todos os erros, tem em si algo de verdade (o que é certamente nunca negaram os Romanos Pontífices), se apóia, todavia, em uma doutrina sobre a sociedade humana- doutrina que lhe é própria -, que destoa do verdadeiro cristianismo. Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios. Ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista.” [12]
O termo marxismo teológico não somente é um paradoxo para o âmbito da religião, mas, igualmente, para o próprio marxismo. Os patriarcas do comunismo ateu, Marx e Engels, consideravam que a teologia, a filosofia e a ética não representavam nada de real. Todos estes elementos seriam conseqüências da emancipação imprudente da consciência em relação ao mundo, pois “o marxismo considera que os homens preocupados com o assunto da sua salvação eterna – uma salvação concebida como uma felicidade perfeita depois da morte e que consiste na gloriosa eterna convivência com Deus – estão “alienados”, e que esta alienação debilita a sua preocupação pelos assuntos deste mundo, o qual para os marxistas é o único mundo real. Neste sentido Marx fala da Religião como o “ópio do povo”.” [13]
Esta corrente teológico-revolucionária, evidentemente, não se limitou ao plano teórico, pois foi tomando corpo com a Cebs. Dom Moacir Grechi, bispo prelado do Acre e Purus, foi quem definiu as cebs como a parte concreta da Teologia da Libertação. Dom Waldyr Calheiros aí entrava como o bispo que dilatou este projeto como organizador do 1º Encontro Latino-Americano das Cebs e presidente do 4º Encontro Nacional das Cebs. Para ele também a Teologia da Libertação tem a sua práxis nas Cebs.
Tudo começava a mudar. Surgia em 1970 um novo rito da Missa e novas fórmulas para os sacramentos eram impostas. Tudo isso propiciou a implementação das Cebs, pois se ainda perdurassem o latim na liturgia, o respeito pelo sagrado e as devoções populares como procissões, rosários e vias-sacras, os gritos dos “excluídos” (revolucionários) não teriam voz. Por isso os sacramentos passariam a ser ação da comunidade celebrante. As devoções do povo católico seriam substituídas por simulacros recheados de socialismo, como, por exemplo, ao invés de procissões, teríamos agora as chamadas “caminhadas da terra.” Segundo o Pe. Dr. Poradowski “os marxistas aplicaram o método, profundamente psicológico e eficaz, da graduação. Primeiro, por uma propaganda adequada (durante retiros espirituais “jornadas”, “encontros”, “congressos”, etc., e em artigos de revistas teológicas) efetuou-se uma “lavagem cerebral” de uma parte do clero, procurando eliminar a formação e a educação recebidas nos Seminários e Universidades. Depois pôde-se inocular em pequenas doses a cosmovisão marxista, e especialmente o conceito marxista de cristianismo.”[14]
Há, portanto, um verdadeiro contraste entre a Igreja Vertical, ou seja, voltada para Deus, e a igreja horizontal, voltada para o homem. Que pensar, por contraste, do sacerdote, do ministro de Deus, do pastor de almas, que raras vezes fala sobre Deus; que evita os temas “escabrosos” do pecado e da graça, do céu e do inferno, da cruz e do sacrifício; que não dedica praticamente tempo nenhum à confissão; que se desinteressa dos candentes problemas da falta de vocações sacerdotais, da multidão de pessoas que ficam sem atenção pastoral e sem sacramentos, da tremenda crise do ensino católico, etc.?[15]



[1] FL


[1]FLEICHMAN, Julio. A Crise é de Fé e é Grave. Permanência: Rio de Janeiro, 1994.
[2] Atas e Documentos do Concílio, Série I, Vol. II, parte VII, págs. 180-195.
[3] O Bispo de Volta Redonda, p. 35
[4] “Não se trata, apenas, de uma série de desastres que coincidem cronologicamente com o Concílio, nem de uma relação causa-efeito evidente a qualquer mente lúcida.É que, após o Concílio, toda novidade heretizante, toda desordem, todo relaxamento disciplinar se reclama expressamente do Concílio, que é sua réplica universal.” (cf. CASTRO, Mons. Dr. Emílio Silva de. Liberdade Religiosa e Estado Católico. Dinigraf: Rio de Janeiro, 1995, p. 9)
[5] Documentos do Concílio Vaticano II, p. 668 e 669
[6] Documentos do Concílio Vaticano II, p. 671
[7] Documentos do Concílio Vaticano II, p. 157
[8] O Papa Pio XI em 1928 condenou o ecumenismo através da encíclica Mortalium Animos.
[9] PORADOWSKI, Pe. Dr. Miguel. A Gradual Marxistização da Teologia. São Paulo, 1975, p 7.

[10] O regime único da Igreja é Monárquico, faz parte da essência da mesma. É o que faz com que seja a Igreja e não outra coisa.
[11] Leonardo Boff. Marxismo na Teologia, in Jornal do Brasil, com data de 6 de abril de 1980.
[12] DENZINGER, Barcelona, 2270.
[13] PORADOWSKI, Pe. Dr. Miguel. A Gradual Marxistização da Teologia. São Paulo, 1975, p. 16
[14] PORADOWSKI, Pe. Dr. Miguel. A Gradual Marxistização da Teologia. São Paulo, 1975, p 7
[15] LANGLOIS, J. Miguel Ibañez. Igreja e Política. Quadrante: São Paulo, p.12








Um comentário:

AJBF disse...

Excelente texto, irmãos

 
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